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Analfabetismo e voto

... E' um direito político, e por isso exige o voto generalizado, votem toʻlos que podem votar, como parte da associação política.

Repito-vos- é preciso escolher: ou aceitar o censo, medida de capacidade, graduando-a; ou aceitar o censo, medida da independência pessoal, generalizando o voto. O mais é negar e afirmar ao mesmo tempo.

Excluindo os analfabetos, as razões expostas para sustentar o projecto ligam-se a três origens: à opinião dos escritores, ao direito dos países estranhos e à especialidade de nossas circunstâncias. Dominando-as, deve o espírito humano procurar um princípio superior para explicá-las.

¿ Qual é êste princípio superior? Se para votar não basta querer e discernir; se é preciso condição especial de capacidade, então a lógica tenazmente exige mais alguma cousa. Excluís os analfabetos, porque

não sabem ler e escrever, porque não sabem calcular; excluís os que não sabem calcular porque não são doutores; excluís os que são doutores, porque há quem saiba mais do que êles (Risos). ... E' a lógica do projecto ou a condição do acêrto está no exercício cumulativo do voto pela associação, e neste caso pouco importa que o analfabeto vote, ou está no voto individual, e neste caso os capazes excluem os menos capazes.

¿E quem sabia ler e escrever na antiguidade? Na antiga Roma os fidalgos tinham copistas, os escravos copiavam. O que sabe ler e escrever pode até não servir-se do meio à sua disposição para alargar os seus conhecimentos.

A sociedade sabe mais do que todos; é a reunião de todas as fôrças intelectuais e materiais dos homens que a compõem; acima dela não há sciência nem interêsses, tudo se perde em vasto seio.

Quando, portanto, os escritores em que se inspiram os nobres deputados nos perguntam se é possível confundir Pascal e um camponês, o espirituoso Voltaire e qualquer habitante de uma cidade, Newton e um ope

rário, imaginam uma associação fora de si mesma, e sem lógica não querem chegar à doutrina prometedora dos predestinados.

Compreendo o receio das últimas conclusões; a teoria da eliminação política não tem limites; as capacidades graduam-se, pela sua própria natureza, são relativas, e por isso as incapacidades não teem fim. Determinai a vossa medida, para que ela não seja o arbítrio em vez da justiça. ¿ Quem deve ter o direito do voto?

«Saber ler e escrever», é a questão pela questão. ¿Como se define essa quantidade certa? Em que a leitura e a escrita por si sós afirmam os conhecimentos necessários para votar? Não podem uns saber mais ¿ do que outros? Stuart Mill, tão citado nesta matéria, contenta-se apenas com essa afamada condição, ou pelo contrário pede mais alguma cousa, as primeiras regras de aritmética? Seus desejos não se alargam mesmo ainda mais, quando vê em outros conhecimentos garantia de acêrto? ¿Porque parais a meio caminho?

... A opinião dos escritores, citados nesta casa para sustentar a famosa exclusão não tem o valor que se lhe empresta; porque

parte do ensino obrigatório é gratuito, e assenta todo o seu raciocínio na generalidade ou facilidade da instrução primária. No Brasil não raciocinariam do mesmo modo. Uma das províncias do Império em que a instrução está mais generalizada é a do Rio de Janeiro. Pois bem, leia-se o relatório do Sr. Visconde de Prados, e ver-se há qual a distribuição das escolas e quais as facilidades que lá mesmo se encontram para aprender a ler e escrever. Há perímetros de tal extensão, em que os moradores das extremidades precisariam do dia inteiro para ir às escolas e voltar das apetecidas lições.

Pode-se dizer que a Europa civilizada desconhece esta incapacidade: se há exemplos em contrário são raríssimos. E' que lá se compreende que não há direito de excluir por tal motivo, porque há dever de instruir. Acha-se sem dúvida mais fácil e nobre essa tarefa, e no entanto essa exclusão não teria as proporções monstruosas do projecto, ou se considere o alcance da medida, ou se considere a injustiça da privação dos direitos.

A especialidade das circunstâncias do Império não explica a odiosa limitação do

projecto. Pelo contrário, argumentar com a grande massa dos que não sabem ler, acusando o perigo da eleição pela inconsciência do voto, é fulminar os governos pela sua desídia e negligência, e seguir um caminho tortuoso para chegar ao mesmo fim.

O caminho recto seria-os que não sabem ler nem escrever, ou proporcionar-lhes tempo e meios para saber.

O projecto inverte os dados do problema, e quando a massa dos excluídos devia afastá-los da exclusão, pelo tristíssimo e odioso alcance da medida, argumenta com ela, reduzindo a delegação nacional ao mandato da insignificante minoria, criação eloquente do mesmo poder!

... Confesso que não posso compreender, mesmo em face das leis do meu país, esta incapacidade, forjada pelo projecto que discutimos. ¿ Não é a lei obrigatória para todos depois de promulgada, até mesmo para os analfabetos? ¿Não presumimos nós a sciência porque em uma sociedade organizada a conversação diária, as reùniões, a imprensa, os julgamentos dos tribunais, a publicidade das sentenças, e tantos outros meios forneceram ao homem o conhecimento da lei? Não o

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