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ANTOLOGIA BRASILEIRA

Não faz muito tempo, um grande escritor do Rio da Prata escreveu-me, pedindo que lhe indicasse livraria brasileira onde se pudesse prover de autores nacionais: nomeava José Bonifácio, o patriarca da nossa Independência, sábio de reputação mundial, que êle principalmente queria conhecer. Corei, comigo mesmo: eu, brasileiro, de uma certa cultura, nada havia lido dêsse grande homem, que tanto interessava ao estrangeiro.

Andei pelas livrarias tôdas, e a vergonha me cresceu não encontrando, em nenhuma, livro algum de José Bonifácio. Tão pouco nos antiquários; nas bibliotecas públicas e privadas alguns raros e salteados folhetos... Não sei confessar a minha confusão, ao dizer isto ao meu correspondente.

Isto era relativo ao maior dos Brasileiros, sábio notório ao velho mundo e a quem nós devíamos nada menos que o benefício da liberdade política, pelo qual lhe levantámos uma estátua. O que não seria dos outros, dos tantíssimos outros, que serviram um dia, uma vida de esforços e sacrifícios, com o coração e a inteligência, a êste ingratíssimo Brasil?

Comigo mesmo jurei, no meu tanto, contribuir para reparar tão clamorosa ingratidão ou injustiça. Foi quando, providencialmente, recebi o convite para dirigir esta «Antologia Brasileira». Não reflecti senão na obra de dever, e de educação nacional, que ela pode representar: restituir aos Brasileiros desatentos, numa forma ainda a êles acessível pela brevidade, o melhor das riquezas de seus grandes homens, génio e esforço ora esquecidos do uso, desviados nos recantos das bibliotecas escusas, escondidos nas edições raras, e agora condensados nas páginas e nos volumes desta «Antologia».

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Não podendo ser «obras completas», não será «selecta»: é «antologia».

A maior desventura para um autor é merecer a preferência ou a consagração de entrar numa selecta. Uma obra, que seria conjunto de ideas e de acções, que animaram uma vida e moveram talvez a opinião dos contemporâneos, reduz-se a uma página, ordináriamente a página dissaborida, talvez a mais inexpressiva que escreveu. A escolha não veio de maligno propósito, que seria inexplicável, mas dá no mesmo, porque o critério da selecção está na possibilidade das notas e reparos lexicológicos que o coleccionador possa ajuntar ao trecho citado. Uma selecta é a exibição vaidosa das capacidades linguísticas de seu arranjador. A estrofe ou o «pedaço», exibidos, são os que lhe

permitem mais abundantes anotações gramaticais. ¡E pensar que um grande homem penou e sofreu para essa miséria, de alguns comentários sôbre palavras raras ou descuidos frequentes, num livro destinado à leitura e análise nas classes!

Alêm da injustiça, o martírio: ser espostejado por alunos e professores numa hora incómoda de cada dia, que acaba por tirar tôda a graça ou significação do trecho escolhido, como por tirar ao desgraçado autor tôda a possível simpatia dos seus futuros e, agora, problemáticos leitores. «Os Lusíadas» não são mais lidos por adultos, porque algumas estâncias infelizes foram por êles analisadas, nas aulas: sôbre Camões recai a vingança iníqua da infância, martirizada pela gramática. | Ai dos desgraçados autores que entram na glória abominável das selectas!

A nossa colecção é diferente, é de antologias. Foi a flor que se escolheu, e se há de escolher, o melhor daquilo que pode caracterizar um autor, nas suas ideas, iniciativas, expressões, tudo o que o defina, num resumo. Não logrando a obra completa ao menos dela o mais fino e expressivo. Talvez que dêsse conhecimento venha aos leitores o desejo de completarem tôda a reparação, nas obras completas. É até essa a razão de se incluírem entre os nossos volumes, alêm dos autores velhos e raros, os modernos e abundantes, por isso mesmo nem sempre bem conhecidos.

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Como confesso, não pensei, em mim; se outro mais capaz não se atrevera à obra, cumpria que alguém a ela se oferecesse: para o exercício de um dever não é necessário nomeação, talvez discutível. Tenho confiança, não só a que dá a causa, senão também pela primeira vitória dela, a do auxílio que lhe irá dar a colaboração de Constâncio Alves, sábio humanista, primoroso escritor, crítico e artista, meu mestre e meu amigo, que assim acostumarei talvez, tudo é possível, a ver o próprio nome no dorso de um livro: não será o menos formoso da «Antologia». As boas disposições da clássica livraria Aillaud, à qual tantos serviços já devem as letras pátrias, não serão menores razões de bom êxito. Da justiça dos leitores temos todos a certeza.

A. P.

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