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é a da patria. O sonho dos reis de Portugal fôra estender os limites de seu paiz: pequeno como era, no dia das grandes agglomerações poderia elle ser uma das victimas. Depois a outra idéa, era a sciencia; corrigir a geographia antiga e demarcar melhor o nosso planeta; o christianismo tambem apparecia nesse pensamento complexo -era preciso dilatal-lo pelo mundo, e preparar para os povos uma outra epocha de felicidade moral, que as religiões barbaras e immoveis do Oriente tornavam impossivel. Ao passo que nada havia na expedição ás Indias que pudesse repugnar á consciencia moderna, que heroismo, que nobres sentimentos não deviam realisa-la! Esse mar immenso e infinito, que as náos rompiam com tanta segurança, não seria um grande tumulo? Que creações, que maravilhas, a imaginação popular não sonhava por essa extensão de agua sem limites? O que estaria reservado á esses, que assim abandonavam tudo que amavam no mundo? A terra seria o mesmo globo que a sciencia descrevia, mas a que o pensamento não se habituava? Essas eram as duvidas do povo, e por menos que as partilhassem os navegantes, nenhum dia deixou de trazer-lhes uma grande anciedade. Cada milha que o vento fazia vencer ás náos approximava-os do Oriente que elles buscavam, ou de um abysmo imprevisto? O fundo desse mar, nunca sondado, não estaria cheio de rochedos, e as náos não encontrariam pela prôa, por uma noite de luar ou por uma clara manhã de primavera, quando a vida mais sorrisse, uma dessas atalaias de pedra? As correntes oceanicas, que depois desviaram Cabral para o Brazil, não os levariam

á uma morte certa? Foi, sim, essa a mais longa *anciedade da navegação, se exceptuarmos a de Colombo; mas em honra dos descobridores do Oriente poucos desanimaram; a esperança foi mais forte que a descrença, o dever que o temor, e quando saudaram a terra da India nenhum se tinha deshonrado pela revolta. Se essa navegação é por si só um assumpto epico, os seus resultados tornam-n'a ainda mais notavel. Esses navegantes encontram o caminho encoberto das Indias. A grande conquista estava operada, e fôra pacifica; dois mundos estavam ligados pelo oceano, duas civilisações iam encontrar-se; os limites da terra eram quasi, por assim dizermos, conhecidos.

Teve Camões razão em se fazer o poeta dessa expedição, mas não esqueça o leitor que, por mais gloriosa que ella seja, e apezar de formar a unidade do poema, que ella é um momento da vida nacional. O heróe verdadeiro de Camões é a patria; unico dos poetas epicos, atreveu-se elle a cantar a vida de seu paiz; é por isso que vamos ver agora qual foi o espirito dos Lusiadas, e o que poeta sonhou ao produzil-o. Se as epopéas primitivas são, como a sciencia historica demonstra, a agglomeração dos cantos de uma geração, e se um poema epico é a mais bella das creações do genio, os Lusiadas são a mais pura, a mais vasta e a mais nacional das obras de um só homem!

PARTE SEGUNDA

O MONUMENTO NACIONAL

I

Vimos que a idéa do poema foi a navegação, mas os Lusiadas são um todo harmonico, inspirado pelo mais puro amor da patria.

Quando o poeta teve a concepção de sua obra, tinha já em um gráo altissimo o amor de sua terra e de sua gente. Esses foram desde então os supremos amores de sua vida. Inspirado por Deus, tornou-se elle o instrumento fatal de uma idéa, como os antigos prophetas de Israel. O cyclo da navegação ia encerrar-se quando nasceu o seu Homero. O mesmo anno vio o nascimento do cantor e a morte do heróe.

Tinha o poeta consciencia de seu destino e de sua missão. A luz do genio não se concentra, apaga-se ou irradia.

Ao ler os antigos poemas, sentio Camões todo o poder de sua inspiração, e vio que era da familia dos grandes poetas. Havia elle escripto sonetos

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admiraveis, eclogas, elegias, idyllios suaves; já tinha para deixar á posteridade a fama de um novo Petrarca. Emquanto fiou de Catharina a felicidade de sua vida, ficava elle contente de si cada vez que celebrava em versos immortaes a belleza, o amor, as saudades e a ingratidão de sua amante. Um dia, porém, a realidade appareceu-lhe atravez de todos os seus sonhos, e elle sentio que era forçoso tentar pela `gloria um maior esforço. Ou porque um nome sem rival podesse destruir os preconceitos dos parentes de Catharina, ou porque obedecesse elle á essa impulsão do genio, em que Socrates via um demonio interior, o poeta poz-se logo á obra. Vio elle então que tinha um grande amor na alma, amor que nascia nas ruinas ou á sombra de seu primeiro amor, e que devia ser o asylo de um nobre coração perseguido pela dureza das prevenções sociaes ou ralado de uma eterna saudade!

Era este o da patria. Ao partir para as Indias levava, pois, o poeta um outro culto, e sua alma, que tinha se queimado em adoração á primeira de suas divindades, ainda guardava para a segunda seu melhor incenso!

A longa navegação d'aquelles tempos, a fama crescente do Gama, o ir elle no rumo das antigas frotas, sua presença no theatro de tão legendarias luctas, as amarguras de um exilio, a vida do mar tudo despertou na intelligencia do poeta a idéa de cantar o descobrimento das Indias. N'essa expedição de Vasco da Gama tinha-se achado o caminho do Oriente, e dois mundos, antipodas e sempre desconhecidos um do outro, haviam-se encontrado frente á frente. O poeta vio logo tudo que havia

de epico em um tal acontecimento, e comprehendeu que era d'essa viagem do Gama que elle precisava para pagar á seu paiz a divida de um amor immenso. O que elle devia fazer era um poema na. cional. A idéa da navegação prestava-se a isso; converteria elle o seculo XV em um periodo epico, transformaria em semi-deuses os navegantes e soldados da India, depois cercaria todos esses grandes feitos da antiga aureola da Lusitania, e, collocando no primeiro plano a patria, faria de sua historia uma longa epopéa. Isso ousou Camões e isso realisou-o elle.

O titulo do poema mostra sua intenção. Os que accusam Camões por ter esquecido o Gama e a expedição são inveridicos, e além disso não perceberam bem os dois momentos differentes da concepção do poema. A idéa foi a navegação, mas o espirito foi a patria.

O heróe dos Lusiadas não se chama Vasco da Gama, chama-se Portugal; não é o navegante ousado que descobrio as Indias, são todas as gerações heroicas que o solo da patria produzio, a primeira que o libertou, a segunda que venceu a Hespanha, a dos tempos de D. João II e de D. Manoel, que partia sedenta de gloria

« A ver os berços onde nasce o dia. »

As primeiras estancias mostram que não se trata de um homem. Homero canta a colera de Achilles, filho de Pelêo; Virgilio, o heróe perseguido por Juno que primeiro aportára ás praias de Lavinium e levantára as altas muralhas de Roma. O heroe ostensivo de Tasso é Godofredo de Bouillon.

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