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LIVRO PRIMEIRO

Camões antes dos Lusiadas

CAPITULO I

MOCIDADE DE CAMUES

Camões nasceu no anno de 1524; é pois elle filho do seculo XVI.

Nenhum seculo deixou na historia uma impressão mais duravel, do que esse. E' elle, por assim dizermos, o mais cheio de acontecimentos inesperados e de um alcance, que se não póde bem limitar. Foi durante elle que o espirito humano adquiriu a liberdade de pensar, e que a intelligencia chegou ousadamente ás consequencias de seus principios.

Antes d'esse seculo a idade media domina a Europa. Apezar de ter sido destruido o prestigio das cruzadas pelo imperio ottomano, apezar de terem já os papas perdido a influencia secular que exerceram sobre os reis, o dominio do pensamento estava ainda vinculado á Roma.

Quaesquer que fossem os direitos do vigario de Christo sobre os homens de sua fé, seus direitos

sobre o desenvolvimento do espirito humano erão nenhuns. Elle podia então, como hoje, definir os dogmas e as tradições, mas não podia impedir o curso da sciencia. A razão devia ter dezeseis seculos depois de Christo ao menos a liberdade com que outr'ora florescera em Athenas, Roma e Alexandria.

A Reforma, da qual Augsburgo foi a solemne iniciação, apparece na historia, posta de lado a questão religiosa de que esta não se preoccupa, como um grande passo da humanidade, um passo decisivo. Deficiente, contradictoria, anarchica, e até inconsciente como systema religioso, ella produziu sem o saber o resultado de romper a pesada atmosphera, que asphyxiava a intelligencia dos povos. Depois d'ella a razão expandiu-se livremente, e o espirito humano, na inteira posse de si mesmo, seguiu o seu destino, em um progresso de liberdade incessantǝ.

O que, porém, dá ao seculo XVI um caracter especial, é a longa lucta que a iniciativa do monge allemão teve de sustentar com a Europa. Limitado no principio ás fronteiras de um pequeno estado, augmentando depois com a affluencia de todos os espiritos que careciam de desenvolver-se, o movimento reformador poude afinal sahir victorioso da lucta, porque para elle a victoria consistia em ganhar o direito de viver. A energia, que de parte á parte foi necessaria, de uma para conter a revolução geral do espirito humano, de outra para vencer os exercitos das grandes potencias com a força tão sómente de uma idéa, dá a historia d'essa época o movimento e o interesse de um drama.

Foi ainda nos principios da contenda, quando o partido da insurreição (1) não podia sahir á campo, que o poeta portuguez viu a luz do dia. Outros acontecimentos porém deviam cercar o seu berço, e para que bem se avalie em que scenario e entre que factos começou elle a vida, vamos pintar o estado da Europa e o de Portugal no primeiro quartel do seculo XVI.

Raras vezes tantos e tão diversos acontecimentos succederam-se com a mesma rapidez em um tão curto periodo. São vinte e cinco annos como outros não ha talvez na historia, se exceptuarmos os que correm de 1789 á 1815.

E' realmente uma era de energia, de grandes commettimentos, de actividade e de trabalho, que se parece de alguma sorte com os periodos de formação; é a genesis do principio de liberdade.

Para começarmos pelo poder, que era a fonte de toda a autoridade espiritual, e que, apezar de enfraquecido como potencia secular, tinha ainda a dictadura das almas, o Papado vê successivamente tres pontifices occuparem a thiara.

Seus nomes dizem tudo: Alexandre VI, Julio II, Leão X.

O reinado de Alexandre VI é o governode Cezar Borgia: o dominio do incesto, do punhal e do veneno. Lucrecia liga o nome ás tradições do pontificado, emquanto seu pai envenena-se com o vinho que destinára á um amigo.

(1) Guizot disse: A Reforma foi uma insurreição do espirito hnmano contra o poder absoluto na ordem espiritual.

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