Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

se estreava, e o poeta dos idyllios, e das Rimas não deixava ainda bem medir a elevação de seu genio; mas isso mesmo que elle compunha na mocidade era superior ao que seu tempo conhecia. Ainda na flôr dos annos era elle o primeiro poeta portuguez, e para exceder á todos não precisava dos Lusiadas

Os poucos annos que demorou-se Camões em Lisboa, antes de seu primeiro desterro, foram os mais bellos de sua vida; foram elles a florescencia da alma, o tempo dos sonhos e das illusões. O amor encheu todas as horas de seus dias; cantou elle o amor sob todas as formas, e sentiu-o com todos os extasis. O desterro, porém devia encerrar essa quadra. Com ella morreu no coração do poeta a confiança, depois d'ella sua vida não offerece mais uma epocha, em que o espirito poise sem dôr. Vejamos, pois, como passaram os poucos annos felizes da existencia de Camões são elles a alvorada risonha de um dia escuro e de uma noite tempestuosa.

CAPITULO II

OS AMORES DE CAMUES

A posteridade cria lendas da vida dos grandes poetas; dos infortunios, que soffreram, faz ella uma aureola, e prende ao d'elles para sempre o nome da mulher, que amaram.

Essas mulheres celebres, que acompanham os poetas deante da posteridade, representam um brilhante papel; os destinos dos dois amantes andaram tão ligados, que quasi sempre se póde attribuir a inspiração ao amor. As causas exteriores, os accidentes, exercem na natureza uma tão incontestavel influencia, que se não sabe o que teria produzido o mais elevado de todos os genios se não nascesse no berço que teve, se não tivesse conhecido as alegrias, as tristezas e até as miserias por que passou na vida. Ora o amor é a mais forte das causas exteriores, e a maior influencia que se conhece no mundo, é a da mulher.

Por isso não se póde desprender na morte o

que foi unido em vida; essas duas vontades, uma das quaes dominava a outra que produzia, tem uma parte determinada na obra commum; não se póde, olhando a solidão do passado, dizer tudo que aprendeu um grande poeta no coração da mulher que amou; o que se pode dizer, é que ella perfumou sua existencia, que desenvolveu, porque nobres paixões desenvolvem o genio, sua faculdade creadora, que dominou seu destino. E' por isso que na memoria da posteridade Tasso e Eleonora, Dante e Beatriz, Petrarca e Laura, Ossian e Malvina, Camões e Catharina, apresentam-se no mesmo momento; uma faz parte da fama do outro. Não se póde prestar maior homenagem aos grandes poetas que repartir por aquellas, que foram a origem de sua inspiração, os louros de sua gloria.

A eschola historica, porém, decompondo as lendas populares, e fazendo o inventario da memoria humana, chega não só a negar o amor de alguns dos grandes poetas, como sua existencia.

N'esse Homero, que tantos seculos a humanidade considerou o pai da poesia, não vê ella um homem, mas um grupo, como a astronomia que onde vemos uma unica estrella e um unico raio descobre uma pleiade e muitas scintillações.

Parece, porém, que a immortalidade que o poeta quiz dar á sua amada triumphará de todos os argumentos da critica.

O que tem querido provar os criticos? Que Camões nunca amou? Seria preciso não distinguir a linguagem da paixão da fria linguagem da imaginação. Que amou mais de uma mulher? Se começam por negar a existencia da primeira! Podem contestar, isso sim, que Natercia fosse D. Catharina

de Athaide, ou D. Catharina de Almada; podem dizer mesmo que não se conhece a pessoa de quem Camões quiz perpetuar a belleza sob esse nome, que é um anagramma de Catharina. Mas em que esclarece essa questão, aliás delicada e respeitosa para a memoria do poeta, a de saber se Camões amou ou não amou? se o amor inspirou-lhe ou não parte d'essas melodias suaves que nos legou em suas Rimas?

Fosse quem fosse essa Natercia cruel, a posteridade tem um nome para ligar ao do poeta; que mais quer ella? seu culto prende-se á mulher adoravel que o poeta amou. Certamente a investigação historica prestar-nos-hia um grande serviço se nos dissesse á quem pertenceu esse nome, quem foi essa musa; na impossibilidade, porém, de descobril-o e de decidir-se por uma das conjecturas existentes, póde-se duvidar de que fosse Natercia uma das pessoas de quem fallam os contemporaneos, mas nunca de que uma mulher existisse, adorada pelo cantor e ao qual elle deu a immortalidade que terão seus versos. Natercia, tal é o nome sob o qual conhecemos a amante do poeta; não queremos outro. A immortalidade da gloria só é uma recompensa se existe a da alma, e a alma daquella, que foi a inspiração do grande épico, recolherá o perfume de todo o incenso queimado ao nome, que elle lhe deu em seus cantos.

Parece, porém, que se póde dizer que Natercia foi D. Catharina de Athaide, e as razões dessa hypothese historica são para nós as produzidas por Faria e Souza. E' certo que o poeta amou uma pessoa altamente collocada; ora, D. Catharina de Athaide era dama do paço, circumstancia

que influiu e determinou o desterro do poeta da cidade de Lisboa.

Não queremos dizer que o poeta fosse desterrado como Ovidio, ao qual se compara. O poeta romano soffreu uma pena, e a natureza do lugar, para onde foi elle exilado, prova bem que se tratava de um verdadeiro castigo em proporção com a offensa; Camões, porém, foi apenas afastado da Lisboa, e é natural que interviesse nesse tempo a autoridade do conde da Castanheira para impedir o desenvolvimento do amor de D. Catharina, o qual só podia acabar em um casamento muito desigual para ella segundo os principios da antiga nobreza. Demais, essa senhora, & quem parece ter pertencido o nome de Natercia, seu anagramma, o que tambem é uma razão mui valiosa n'um tempo em que se tiravam elogios para a pessoa do seu proprio nome, morreu na flor da idade, e á ella deve referir-se immortal soneto XIX.

Os ditos do poeta e o testemunho do proprio biographo, reunidos aos argumentos acima apresentados, tornam provavel a opinião de que a mulher amada pelo poeta foi D. Catharina de Athaide.

Talvez entre os sonetos attribuidos a Luiz de Camões, assim como ha traducções italianas, haja sonetos alheios, e d'ahi provenha a idéa dos que affirmam que Camões amou muitas mulheres, e que foi apenas, como o chama o bispo de Vizeu

وو

um moço namorado." Póde-se escrever sonetos a muitas pessoas, sem que se tenha verdadeiramente amado mais do que uma. N'um tempo sobretudo em que as letras erão tidas em tão boa acceitação pela fidalguia, um homem que possuisse

« VorigeDoorgaan »