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INTRODUCÇÃO

Completam-se em 1872 os tres seculos passados sobre a fronte da pyramide do espirito humano e da gloria portugueza chamada - Os Lusiadas.

Qualquer, porém, que seja o tempo decorrido, a obra cada dia parece mais nova, e os louros do poeta são mais verdes; á admiração das gerações passadas junta-se a das gerações nascentes, e é dessa constante e universal homenagem que se faz a fama do cantor e do poema.

Estas notas, que vão publicadas em fórma e com apparencia de livro, são verdadeiras impressões pessoaes. Acontece com um poema, como os Lusiadas, o mesmo que com a natureza: cada um comprehende-a, gosa della, ama-a segundo seu temperamento, e duas pessoas postas em frente de um bello espectaculo do firmamento sentem differentes emoções.

Ha ainda mais uma analogia entre essas duas grandes obras: a creação que é o poema de Deus, e o poema que é a creação do genio. Quem ama verdadeiramente a natureza póde percorrer muitas vezes o mesmo sitio, cada dia descobre uma nova belleza. A' principio vê-se apenas a magnificencia do panorama, depois destaca-se o horisonte, em seguida o solo, até que a variedade das maravilhas torna-se infinita.

Uma cascata, por exemplo, ha nada mais semelhante em todas as suas partes, e não parece que se deve gosar apenas do espectaculo da quéđa? Fixai porém a vista nas fendas das pedras ; a agua parece manar em crystaes debaixo da grande massa que se precipita; os vapores mesmo têm muita diversidade conforme o raio de luz; no ruido sempre o mesmo do rio que se despenha ha mais de uma harmonia. Tereis assim as mais bellas e variadas impressões, onde esperaveis apenas encontrar a monotonia. O mesmo dá-se com um grande poema.

Quando se o lê á primeira, vez parece que se comtempla um céo estrellado em noite de verão; sente-se espalhado por todo elle um ar de magestade e de grandeza, que nos faz dizer-ahi está o genio. Temos a vertigem do infinito. Lendo-o porem outra vez, apoderamo-nos do plano do poeta, seguimos a marcha do seu genio, descobrimos as leis da attracção e da mechanica poetica. E' como se nesse céo, de que a principio nos deslumbrava a extensão sem limites, descobrissemos a lei de seu movimento e de suas relações, e penetrassemos o segredo de Deus. Se depois baixamos os olhos d'esse firmamento que nos fascina,

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e começamos a examinar o solo, quanta fonte encoberta ao lado do caminho! quanta delicadeza de côres! que vida em todos os entes! quantas flores a nossos pés! e, ao deixarmos esse torrão ornado de tantos primores, enganamo-nos acreditando têl-os exhaurido. Cada vez que lá voltarmos seremos sorprendidos por novos prodigios: é um mundo, onde cada dia se vê mais um encanto que se ama ainda mais quando se o descobre com trabalho, assim como essas fontes escondidas, em cuja agua o viajante bebe com mais amor, quando elle proprio a encontrou ainda virgem na solidão da matta.

E' á mocidade que se deve dar a ler esse livro tão elevado e tão puro. Em suas paginas aprenderá ella a amar a gloria, em cada estancia terá um novo incentivo, e durante muitos annos lhe acudirá sempre á memoria um oraculo de Socrates escripto na linguagem divina do poeta, ou um feito de Vasco da Gama e de Egas Moniz immortalisado por um outro Homero.

A mocidade deve ler o poema, sobretudo porque, como dizia Horacio recommendando a leitura da Iliada,,, a mocidade é como a amphora, que exhala por muito tempo o aroma do primeiro vinho que conteve❝ (1).

E' preciso recomeçarmos com o divino Camões, porque hoje, é triste dizêl-o, os Lusiadas são um livro pouco lido e pouco conhecido.

Uma outra litteratura tomou o lugar da forte

(1 Trad. Jules Janin.

poesia epica. Já não se falla ao coração nem ao espirito, falla-se ao systema nervoso, á sensibilidade doentia das mulheres hystericas e dos homens ociosos. Ler um canto opulento, rico, dos Lusiadas, ler o poema, direi melhor, parece á muitos uma coisa tão extraordinaria como levantar a pesada espada de nossos maiores e suas armas de combate.

Isso, porém, só falla contra nós. Ha tres seculos possue a litteratura portugueza um monumento como esse, e, em vez de estudal-o, de buscar nelle todos os prazeres que nos offerece, andamos á cata das borboletas que a França produz em uma estação para morrerem na outra. Assim mostramo-nos indignos da herança que o genio nos legou; e ainda somos felizes, porque basta-nos para voltarmos ao antigo vigor do coração e da intelligencia a leitura apaixonada dos Lusiadas.

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Deve-o ler a mocidade. Disse alguem: „ uma grande vida é um sonho da mocidade realisado na idade madura;, é preciso, pois, que o sonho seja bello, para que, se se realisar, fique para o paiz mais uma gloria. E em que livro tem-se tantos elementos para crear um ideal de vida, como nesse? Todos os sentimentos estão nelle insculpidos em versos eternos: o amor puro, a ambição desinteressada, o desejo de gloria, o sacrificio, o valor, o desprezo da morte, e o amor da patria sem limites, todos os grandes sentimentos animam como o fogo sagrado a alma dos heróes do poeta. Que melhor lição para os que entram na vida do que a que lhes manda deixarem no limiar todo o egoismo, e dedicarem-se sempre pela pessoa a quem amam, pela idéa é pela patria?

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