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I

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REIS

DISSERTAÇÃO X.

Contendo os Prolegomenos das Instituições da Diplomatica Portugueza.

Diplomatica he a Sciencia dos Diplomas, isto he, a

que nos ensina a avaliar com exactidão os antigos Diplomas, distinguindo os verdadeiros dos falsos, ou duvidosos.

A palavra Diploma, Grega na sua origem, quer dizer cousa dobrada em duas, e tal foi em outro tempo a sua fórma.

Esta palavra, pela qual se entendem ordinariamente as Cartas patentes dos Soberanos, já chegou a ser restricta ás Cartas, que os Imperadores Romanos concedião a alguem para se servir da posta pública. Pelo contrario temse estendido a significar todo o Documento antigo, público, ou particular. Os Diplomaticos porém entendem por Diploma tão sómente os Documentos publicos, dando por excellencia este nome aos Reaes; e aos mais Documentos Fúblicos o de Chartas.

Chamamos Documento público aquelle, em que intervem officialmente pessoa pública, e a estes he que consideramos como objecto da Diplomatica, sem perder de vista outros Monumentos da antiguidade da Nação.

Como temos de usar muitas vezes da palavra Memoria, Monumento, e Documento, será justo declarar o sentido, em que as tomamos, e as suas subdivisões.

Memoria he hum artefacto qualquer para perpetuar huma lembrança, ajudada de tradição, por não ser acompanhada de letras. Tal huma columna, huma pyramide, Tom. IV. Part. I. A

hum

hum marco, hum arco triumphal. Para o mesmo fim se tem ás vezes plantado huma arvore.

O Monumento, e Documento he acompanhado de letras, e a sua materia os distingue entre si, sendo a dos Monumentos os metaes, as pedras, os lenhos; e dos Documentos ordinariamente as pelles dos animaes, e o papel.

Dividem-se os Monumentos pelo seu diverso objecto em Moedas, Medalhas, e Inscripções, sendo as primei ras destinadas primariamente para o uso do Commercio; as Medalhas, e Inscripções para conservar, em breves clausulas, a memoria de alguma pessoa, ou successo notavel chamando-se Numaria a Sciencia das Moedas, Numismatica a das Medalhas, e Lapidaria a das Inscripções.

Aos Documentos se chama vulgarmente Conices, ou Manuscriptos, quando o seu objecto he instruir-nos em alguma Sciencia ou Arte, ou referir a Historia do seu tempo, ou dos seculos anteriores, com mais extenção, do que pode ser assumpto de hum Monumento, do qual he

essencial a concisão.

Quando o Documento tem por objecto dar noticia de hum facto para interesse, e conservação do Direito de alguem, mas não he feito officialmente por pessoa pública, se chama Documento particular. Sendo pelo contrario exarado officialmente por pessoa pública, tem o nome de Documento público. Se nelle intervem a assignatura ou firma do Soberano, ou ao menos a sua immediata authoridade, se chama especialmente Diploma. Aos mais se chama simplesmente Charta ou Documento público, como já dissemos.

A Critica, a Hermeneutica, e a Diplomatica, que mutuamente se prestão auxilio, e que em outto tempo se não distinguião como Sciencias particulares, hoje formão distinctos ramos com particular objecto. A Critica, e a Hermeneutica ficárão em partilha com os Documentos particulares, isto he com o que chamamos Codices, examinando aquella a sua genuidade, e esta a sua interpretação e intelligencia. A Diplomatica porém considerando

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os Documentos públicos, a elles accommoda os principios da mesma Critica, e Hermeneutica, tendo alguns particulares e proprios do seu objecto.

Origem da Diplomatica, sua utilidade, necessidade, e progressos.

Desde que houverão Documentos públicos, e falsarios que os contra fizerão, não podia deixar de se buscar meios para conhecer a mesma falsidade, e demonstralla; por isso que ella cedia em prejuizo de alguem. Embora seja moderno o systema que reduzio a hum corpo as regras para distinguir os verdadeiros dos falsos Documentos; sempre forão conhecidas mais ou menos as mesmas regras. E para não buscarmos exemplos mais remotos, bastará lembrar-nos que a Igreja desde a sua origem usou dos seus principios para distinguir as verdadeiras das falsas Obras dos Apostolos e dos Padres; por elles se conhecêrão e forão proscriptas outras; e se castigárão os seus Authores pelos Imperadores Romanos. Forão mesmo propostas algumas daquellas regras no Corpo das Decretaes nos Titulos de Fide instrumentorum, e de Crimine falsi. (Nov. Dip. Tom. VI. desde p. 112. E Tom. I. Pref. p. XIII.)

A reducção porém da Diplomatica a hum Systema particular tem pouco mais de hum seculo, tendo por corypheo ao grande João Mabillon da Congregação Benedictina de S. Mauro na França, e por precursor ao Jesuita Daniel Papebroch, hum dos continuadores das Actas dos Santos de Bolando.

Este nos fins do sec. XVII querendo impugnar alguns antigos Documentos (alguns do Cartorio do Mosteiro de S. Diniz de París) no Tom. II. dos Santos do mez de Abril, que se imprimio em 1675, fez hum Discurso preliminar ao mesmo Volume, que intitulou Propilocum antiquarium &c. expondo nelle as regras para julgar da

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authoridade e genuidade dos Documentos. (Acha-se reimpresso em Baringio Clavis Diplomatica 2a Ed. p. 229.) Ninguem duvida que este Tratado, e o ataque, que fazia aos titulos do Mosteiro de S. Diniz, excitou o zelo e perspicacia de Mabillon para no curto espaço de 6 annos sahir á luz em 1681 com a sua Obra de Re Diplomatica, Obra applaudida, e louvada pelos Sabios, e que posto que tenha tido impugnadores, como ainda veremos, e alguns defeitos, lhe basta a gloria de fazer retractar Papebroch, e confessar os merecimentos do seu Antagonista: (Nov. Dip. Tom. I. p. 16 e 17) e ser além disso o primeiro Systema sobre este assumpto.

Determinada a epocha, em que a Diplomatica principiou a figurar como huma Sciencia particular, antes de darmos a Historia dos seus progressos nestes dous seculos e a sua Bibliografia, será preciso dizer alguma cousa sobre a utilidade, e necessidade da mesma Sciencia exactidão e verdade dos seus principios, e possibilidade da sua applicação.

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Huma Sciencia, que tem por fim mostrar-nos a verdade, ensinando-nos a avaliar os Documentos antigos, definindo os gráos de probabilidade, que os faz acreditar por genuinos ou suspeitos, e por tanto como provas opportunas, ou ineptas, não só de factos meramente historicos; mas daquelles que podem interessar o nosso patrimonio, ou as nossas prerogativas, esta Sciencia, digo, parece que por si mesma se recommenda. Sem ella não poderemos muitas vezes defender-nos de hum impostor, que com hum titulo falso procure espoliar-nos do que nos pertence por todos os Direitos. (Vain. Tom. 1. Pref. e p. 390. Nov. Dip. Tom. I. Pref. p. II. e seg.

Quando inculcamos a necessidade e utilidade desta Sciencia, suppomos necessariamente a exactidão dos seus principios; porém para a considerarmos como Sciencia, e para chamarmos exactos os mesmos principios, não se faz necessario, que elles sejão capazes por sua natureza de produzir huma evidencia mathematica, ou methafisi

ca.

ca. A evidencia moral he a correspondente á indole da Diplomatica, assim como da Critica.

A prudencia na sua applicação a cada passo a teremos de inculcar; porém desde já devo prevenir contra os dous extremos da indulgencia, e credulidade; e da Critica amarga e pyrrhonismo. Longe de nós declarar falso, ou ainda duvidar da genuidade de qualquer Documento, só porque he antigo, ou porque he obra de Monges, ou se conserva nos seus Cartorios. Pelo contrario o Documento qualquer se suppõe verdadeiro, em quanto se não convence de falso, ou duvidoso. E como a suspeita póde ter mais ou menos gráos, segundo os mesmos devemos avaliar com escrupulosa exactidão os Documentos quaesquer. (Vain. Tom. I. p. 303. Nov. Dip. Tom. I. Pref. P. IX e seg. Cap. 7. p. 113 e Cap. 8. p. 125. Masdeu Hist. Crit. Tom. XVIII. p. 302.)

Com tudo a credulidade cega, e a indulgencia não deve menos evitar-se. Que tem havido falsarios e Documentos por elles fabricados, ou adulterados, mesmo entre nós, (1) he innegavel, e a Diplomatica tem por fim

e

(1) No Censual do Cabido do Porto f. 1 se acha lançada huma Bulla de Calixto II dada no anno da Encarnação, 1120, 11. do seu Pontificado, Indicção 13 a 6 das Non. de Março, que principia Officii nostri se diz dirigida ao Bispo D. Hugo. Nella se numera entre os Mosteiros do Bispado do Porto o de Inter flumina. Este com tudo só foi fundado em 1258 no Pontificado de Alexandre IV. (Veja-se Catalog. dos Bispos do Porto Addicion. P. II. Cap. 1. p. 6 e Cap. 12. p. 66. Esperança Hist. Seraf. P. I. Liv. 5. Cap. 19. p. 557.)

Apresentando a ElRey os Moradores do Ranoaldy a Carta que dizião ser o seu Foral a IIII das Kal. de Maio Er. 1309, illi qui erant de Concilio Domini Regis viderunt ipsam Cartam, et invenerunt quod nichil deberet valere. Liv. 1. de Poações do Senhor D. Affonso III. p. 109. $. Col. 1. (Nas Inquirições do Senhor D. Affonso III.) Liv. 8. f. 82. v. no R. Arch.) se acha o Depoimento seguinte Domnus Vivas Tabelliom de Panoniis juratus et interrogatus dixit quod scit quod Dominus Rex prendit enganum de Sanguinedo, quod Carta quam ipsi tenent loquitur quod fecit eam Rex Domnus S. Fratris istius Regis, et fecit eam facere Domnus Fernandus Fernandi uni Clerico Martino Johannis de Royes pro algo que sibi dederunt. No foral do Reguengo de Sanguinhedo pelo Senhor

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