isso procedeo contra alguns dos comprehendidos no tal Decreto : eram factos praticados na infeliz epoca, em que de facto estava suspenso o exercicio do legitimo poder do Nosso Principe; tempo, em que de facto todas as Authoridades reconheciam o poder do Despota isto hé, aquelles mesmos que depois julgáram os taes factos crimino. sos segundo as leys do Nosso Soberano. Tudo isto em fim sem os miseraveis serem ouvidos, sem se darem ao menos os motivos, e accrescentando-se, que ainda depois haviam de ser castigados conformie as suas culpas ! Isto vale o mesmo que dizer, se te queixares bás de sofrer mais." Ai do Escravo infeliz, que dos açoites Se doe, desprega a voz, ou rasga a venda! Porem, meu amigo, nao acha Vme. o facto dos Governadores a respeito destas victimas ainda mais execrando, que tudo quanto te mos, figurado. Forao precavidos, paciencia. Passarao 5 annos de tormentos, paciencia. Aprehenderao-se-lhe todos os seus papeis (e a alguns até o dinheiro papel) examinaraõ-se, houverao informações da Policia, nao se lhe achao culpas...., e quando se esperava, que d'isto se informasse o Soberano, e o Publico, hé quando á este tudo se occulta, e se lhe deixa ajuizar o que quizer (que quazt sempre hé o peior, e eu nao reprehendo neste cazo a sua logica.) E ao mais Pio e Justo dos Soberanos o que se diria? ja o disse, e me custa repetillo. .... Nao parou nisto a crueldade dos Senhores Governadores; preparara m logo o Soberano para perdoar aquellas innocentissimas victitimas, quando elles Governadores julgassem opportuna occasiaõ, e foi só em Março de 1814, que os dictos a julgaram propria para recorrerem á Real Munificencia. Creio que d'aqui se nao pode passar. Que equidade,ou munificencia precizavam aquelles a quem se tinham roubado direitos os mais sagrados? Nao eraō elles os que, perdoando, podiaō recorrer á Regia Munificencia, para que tao bem o fizesse a quem tanto os tinha offendido? Ser Governador de um Reyno, ou ser um simples Villaõ he tudo o mesmo aos olhos da ley, da Justiça, e aos do Soberano, Pay commum de todos os seus Vassallos. Quem, om taes circunstancias, nao quereria antes ver o Prin VOL. XVI. No. 97. 4 P cipe justo, que beneficiente? Se a victima hé innocente, como poderemos nós chamar Beneficiente a Mao Soberana! Toda a munificencia, que tivesse por principio o negar a defeza, e audiencia, serîa uma crueldade, e a mesma equidade viria a ser uma injustiça, Que Portuguez aceitaria uma graça, ou perdao em semilhantes cazos ? Nao seria isto marcar com a sua propria mao o seu proprio rosto com o ferrete de traidor ao Principe, e a Patria? Haveria quem entre os seus Concidadaos quizesse assim viver? Nao posso deixar de me recordar outra vez das espantozas expressões-suspeitos de favorecerem a causa do Inimigo commum, medida de Policia para a salvaçaõ da Patria :-estas nasceram da aleivozissima conta aprezentada ao Nosso Augusto Principe; mas nao caio a penna da mao a quem a escreveo, e nao emmudeceram as linguas dos que as dictaram ? ‹ Acaso encontravam entre tantas victimas um, que fosse digno d'ellas? E se o havia, porque, em obsequio da Justiça, e da innocencia dos outros o naõ declaravam? Mas, graças ao brio, honra, e fidelidade Portugueza! ném um dos infelizes se provou, ao menos suspeito, de favorecer o inimigo do seu Soberano, e da sua Patria. Tal suspeita, nem existia nos animos dos Senhores Governadores; mas agora dirá Vmce., pois que lucro tinhaō elles em vista para se fazerem authores de tantos assasinatos: muito me pos deria agora estender, e descubrir a Vmce, cousinhas bem curiosas; com tudo verei se lhe satisfaço a curiosidade, contando-lhe uma historia. Vinhao prezos do Alemtejo para Lisboa varios e famozos Rees, encontraram pelo caminho uma cruz, signal de morte, e um delles, maquinalmente, tirou o seu chapeò, accode um dos authores da dicta morte dizendo. "Se o enterrassem, como eu dizia, nem tu tinhas trabalho de tirar o chapeo, nem talvez eu o de hir agora por aqui." Quem poder comprehender, comprehenda. Tomára saber para que servem os Codigos Criminaes, os escriptos dos Jurisconsultos, e o grito dos filosofos: dado o systema precaver, prendendo, deportando, e assassinando todos os suspeitos, porque assim o exige o perigo, e salvaçaõ da Patria, para que hé escrever Codigos, e fallar de segurança legal? Só lembrar isso he tornar-se suspeito, e por consequencia-precavido.-Aqui me lembra exclamar com um grande Poeta. Ah! verrai je toujours ma foible nation Incertaine en ses veux, fletrir ce qu'elle admire, Nos meurs avec nos loix toujours se contredire? Este mesmo Poeta, que nao era inferior philosopho, tractando sobre esta materia, e affirmando com todos os bons Escritores, que por maior que se immagine a enormidade do delicto, nunca por simplices suspeitas se pode principiar por tirar ao Cidadaō o preciozo bem da sua liberdade; porque hé só sobre a natureza, e força das provas, que a sentença se deve firmar: accrescenta.-" Et quand il n'existe, ni preuve, ni probabilité, ni vraisemblance, quand il n'y a qu'un simple supçon du public, le juge peut il arracher un Citoyen á ses foiers? Le peut-il, quand par cet acte lui ote en meme temps son honneur, quand il realise le supçon, quand il deshonore à jamais l'accusé.....” E o que me dirá Vmce, da ultima clauzula d'aquella Regia Resoluçao, fazendo-a constar pela maneira que parecer mais propria, e conveniente -Combine Vmee. estas expressões com a Real Munificencia, e verá que os Senhores Governadores se preparavam para dizer, que S. A. R. instado pelas suplicas dos Governadores do Reyno, havia por bem perdoar aos Reos constantes da relaçaõ inclusa. E nao convem Vmce., que elles se lembraram; pois exclamemos. Graças as luzes do seculo, que nao lhes soffreria tao escandalosa contradiçao. Graças ao brio, honra, e coragem das infelizes victimas, que prefereriao morrer em calaboiços, do que aceitando perdaỡ, vir a reconhecer culpa. Posto que ouvi dizer, tal era a desesperaçaõ d'alguns, que dous ou tres accitavao voltar fosse como fosse, com tanto que nao os obrigassem a assinar Termo de que aceitavaõ. Aqui tem Vme, explicada a razao, porque, em Lisboa, nunca se obteve copia desta Regia Determinaçao, temiaõ (sim Săr., ainda se sentem alguns de alguma cousa) o chicote da imprensa. Sentirei que esta cartinha naõ seja credora déssa dignidade; receio alem disso, que algum désses mizeraveis, tomando-se qualquer pretexto, torne a ser victima d'este meu ardente zelo pela causa da humanidade, e dos nossos Patricios: conheço alguns dos infelizes, e posso segurar-lhe, que as virtudes (se algumas houve, ou há) de todos os Governadores de Portugal, que foram, saỡ, ou houverem de ser, naõ igualam o procedimento ordinario d'aquelles. A Deos: Seu Amigo e ainda mais Da Razao, da Justiça, do Principe, da Patria, e dos Homens . . . |