Convite de Tethys aos navegantes: canção prophetica da Sirena, em que toca as principaes façanhas, e conquistas dos Vice-Reis, dos Governadores, e Capitães Portuguezes na India, até D. João de Castro: sobe Tethys com o Gama a hum monte, desde o qual the mostra a Esphera celeste, e terrestre: descripção do Orbe, especialmente da Asia, e Africa: sahem da Ilha os navegantes, e seguindo a sua viagem chegão felizmente a Lisboa.
A's mesas de vivificos manjares, Com as nymphas os Lusos valerosos, Ouvem de seus vindouros singulares Façanhas, em accentos numerosos: Mostra lhes Tethys tudo quanto os mares, E quanto os ceos rodeam luminosos, A pequeno volume reduzido,
E torna a frota ao Tejo tão querido.
las já o claro amador da Larissea Adultera, inclinava os animaes, Lá para o grande lago, que rodea Temistitão, nos fins Occidentaes: O grande ardor do Sol Favonio enfrea Co❜o sopro, que nos tanques naturaes Encrespa a agua serena, e despertava Os lirios e jasmins que a calma aggrava
Quando as formosas nymphas co'os amantes Pela mão, já conformes e contentes, Subiam para os paços radiantes,
E de metaes ornados refuzentes, Mandados da Rainha, que abundantes Mesas d'altos manjares, excellentes, Lhe tinha apparelhadas, que a fraqueza Restaurem da cansada natureza.
Alli em cadeiras ricas, crystallinas, Se assentam dous e dous, amante, e dam N'outras, á cabeceira, d'ouro finas, Está co'a bella deosa o claro Gama. De iguarias suaves e divinas,
A quem não chega a Egypcia antigua fama, Se accumulam os pratos do fulvo ouro, Trazidos lá do Atlantico thesouro.
Os vinhos odoriferos, que acima. Estão não só do Italico Falerno, Mas da Ambrosia, que Jove tanto estima, Com todo o ajuntamento sempiterno, Nos vasos onde em vão trabalha a lima, Crespas escumas erguem, que no intento Coração movem subita alegria, Saltando co'a mistura d'agua fria.
Mil praticas alegres se tocavam, Risos doces subtis, e argutos ditos,
Que entre hum, e outro manjar se alevanta- Despertando os alegres appetitos:
Musicos instrumentos não faltavam, Quaes no profundo reino os nus espritos Fizeram descansar da eterna pena, C'huma voz d'huma angelica Sirena.
Cantava a bella nympha, e co'os accentos, Que pelos altos paços vão soando, Em consonancia igual os instrumentos Suaves vem a hum tempo conformando: Hum subito silencio enfrea os ventos, E faz ir docemente murmurando As aguas, e nas casas naturaes Adormecem os brutos animaes.
- Com doce voz está subindo ao ceo Altos barões, que estão por vir ao mundo, Cojas claras ideas vio Proteo
Nhum globo váo, diaphano, rotundo; Que Jupiter em dom lho concedeo Em sonhos; e despois no reino fundo Vaticinando o disse: e na memoria Recolheo logo a nympha a clara historia.
Materia he de cothurno, e não de socco, A que a nympha aprendeo no immenso lago, Qual lopas não soube, ou Demodoco, Entre os Pheaces hum, outro em Cartago. Aqui, minha Calliope, te invoco
Neste trabalho extremo, porque em pago Me tornes, do que escrevo, e em vão pretendo, O gosto de escrever, que vou perdendo.
Vão os annos descendo, e já do estio Ha pouco que passar até o outono; A fortuna me faz o engenho frio, Do qual já não me jacto, nem me abono; Os desgostos me vão levando ao rio Do negro esquecimento, e eterno sono: Mas, tu me dá que cumpra, ó grão Rainha Das Musas, co'o que quero á nação minha!
Cantando a bella deosa, que viriam Do Tejo, pelo mar que o Gama abrira, Armadas que as ribeiras venceriam, Por onde o Oceano Indico suspira: E que os gentios Reis, que não dariam A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira Provariam do braço duro e forte, Até render-se a elle, ou logo á morte:
Cantava d'hum, que tem nos Malabares Do summo sacerdocio a dignidade, Que só por não quebrar co'os singulares Barões os nós que dera d'amizade, Soffrerá suas cidades, e lugares, Com ferro, incendios, ira, e crueldade, Ver destruir do Samorim potente, Que taes odios terá co'a nova gente.
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