Em praticas o Mouro differentes Se deleitava, perguntando agora Pelas guerras famosas e excellentes, Co'o povo havidas, que a Ma ̈ona adora: Agora lhe pergunta pelas gentes De toda a Hesperia ultima, onde ora; Agora pelos povos seus visinhos, Agora pelos humildes caminhos
Mas antes, valeroso Capitão, Nos conta, lhe dizia, diligente, Da terra lua o clima, e região Do Mundo onde morais, distinctamente; E assi de vossa antiga geração, E o principe do reino tão potente, Co'os successos das guerras do começo; Que se sabe-las sei que são de preço:
E assi tambem nos conta dos, rodeios Longos, em que te traz o mar irado, Vendo os costumes barbaros alhetos, Que a nossa Africa ruda tem criado. Conta: que agora vem co'os aureos freios, Os cavallos, que o carro marchetado Do novo Sol, da fria Aurora trazem; O vento dorme, o mar, e as ondas jazem.
E não menos co'o tempo se parece O desejo de ouvir-te o que contares; Que quem ha, que por fama não conhece As obras Portuguezas singulares? Não tanto desviado resplandece De nós o claro Sol, para julgares Que os Melindanos tem tão rudo peito, Que não estimem muito hum grande feite,
Commetteram soberbos os Gigantes, Com guerra vaa, o Olympo claro e puro: Tentou Pirithoo, e Thes c, de ignorantes, reino de Plutão horrendo e escuro: Se houve feitos no mundo tão possantes, Não menos he trabalho illustre e duro, Quanto foi commetter inferno, e ceo, Que outrem commetta a furia de Nereo.
Queimou o sagrado templo de Diana, Do subtil Ctesiphonio fabricado, Herostrato, per ser de gente humana Conhecido no mundo, e nomeado: Se tambem com taes obras nos engana O desejo de um nome avantajado, Mais razão ha que queira eterna gloria, Quem faz obras tão digras de men oria.
Prática de Vasco da Gama com el-Rei de Melinde, em que lhe faz a descripção da Europa: dá-lhe conta dos principios do Reino de Portugal, de seus Reis, (até El Rei D. Fernando) e das suas acções principaes: feito notavel de Egas Moniz: vem a Portugal a Rainha de Castella D. Maria, a pedir soccorro para a batalha do Salado: amores, e caso desastrado de D. Iguez de Castro: alguns successos d'El Rei D. Fernando.
A populosa Europa se descreve; De Egas Moniz o feito sublimado; Lusitania, que Reis, que guerras teve; Christo a Affonso se expõem crucificado: De Dona Ignez de Castro a pura neve Em purpura converte o povo irado: Mostra-se o vil descuido de Fernando, E o grão poder de hum gesto suave, e brando.
Agora tu, Callicpe, me ensira
O que contou ao Rei o illustre Gama: Inspira mortal canto, e vez divina Neste peito mortal, que tanto te ama. Assi o claro iuventor da Medicina, De quem Orpheo pariste, ó linda dama, Nunca por Daphne, Clicie, ou Leucothee, Te negue o amor devido, como sóe.
Poem tu, Nympha, em effeito meu desejo, Como merece a gente Lusitana;
Que veja e saiba o mundo que do Tejo O licor de Aganippe corre, e mana. Deixa as flores de l'indo, que já vejo. Banhar-me Apollo na agoa soberana; Senão direi, que tens algum receio, Que se escureça o teu querido Orpheio.
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