de obrigatoria e gratuita, seja tambem sympathica pela claridade das doutrinas, attractiva pelo natural e aprazivel dos methodos, maternal pela completa abstenção de rigores escusados e contraprocedentes; que ali se desenvolvam a par as forças e a destreza do corpo, as faculdades do espirito, e as boas disposições moraes, até agora atrofiadas e pervertidas pela ignara brutalidade do pseudo-ensino, impia e descarada mentira de tantos seculos. Que homens e que mulheres se não devem esperar das crianças instruidas e educadas em taes ninhos! A elles e a ellas é que está reservada a gloria de serem a primeira colonia civilisadora e liberal d'este paiz. No meio de gente d'essa não se haja medo de que se recebam jámais com indifferença, com apupos, ou ás pedradas, os alvitradores de idéas praticas prestadias! Lá, quando alguem trouxer para a communidade um presente de bons fructos enfeitados de flores, não se lhe responderá que o lance para um canto a apodrecer; e muito menos que se não sabe se as flores são flores, e os fructos, fructos, quando uma e outra coisa vem patente, e para não as ver é forçoso fechar os olhos com obstinação Bom tempo! bom tempo! Quando isso for, tambem eu hei de ter por monumento um canteirinho de saudades! e velhos de então, agora meninos, m'as hão de orvalhar com algumas lagrimas, lembrando-se do longo martirio de menoscabos que para lhes bemfazer a elles e a seus descendentes, curtira o seu amigo. Ora será verosimil que nessa povoação de amor, bellas almas com quem eu já convivo em esperanças, a poesia chegue a despir as suas galas recamadas de oiro! ella, a divina filha de Orpheu! ella, a sempre adorada, até nas éras menos cultas, até nas mais silvestres regiões! Não reconheceu o mesmo Pelletan que de grau para grau da civilisação nenhuma das conquistas anteriormente feitas se perdia? ¿Havia então de se perder esta, a mais formosa, e quasi que a mais natural de todas as artes, e tão antiga, que não faltou quem a reputasse irmã primogenita da eloquencia? Desejo que se engane o meu primoroso escriptor; e vaticina-me o coração, se já não é o discurso; que assim ha de succeder. Verdade seja que a poesia por toda essa Europa se anda já de annos descurando notavelmente. Que é do successor de Byron, de Goethe, de Schiller, de Manzoni, de Espronceda, de Lamartine e Béranger? Existe na verdade um que os excede a todos, e não envelhece nem se exhaure: o autor das tragedias modernas, Odes e balladas, das Orientaes, das Folhas d'outomno, das Poesias politicas, dos Cantos do crepusculo, das Vozes intimas, dos Raios e sombras, das Contemplações, da Lenda dos seculos, do Fim do reinado de Satanaz, de Deos, das Canções das ruas e dos bosques, e quem sabe do que mais ! Esse não sai da liça; ha de morrer com a lira triumphal em punho. Não vê, ha já muito, os rivaes em torno a si, e não achando competidores a quem vença, vence-se a si mesmo de anno para anno; e por um privilegio só a elle concedido, quando o julgam pelo tempo entrado no seu inverno, reapparece reflorido de primavera, resplandecente de estio, verdadeiro Esão do genio, que póde já presentir nos seus milagres a sua immortalidade. Mas apagar-se-hia para todos os mais o fago sagrado? Impossivel. E, certamente, que a actividade dos espiritos anda agora noutro rumo. Onde todos lidam na faina, minguam os ocios para cantar e para ouvir; e mesmo onde os ouvintes fallecem, mal poderia haver cantores. O que vai pela grande Europa, dá-se tambem no pequeno Portugal. De sobejos annos a esta parte refervemos todos numa continuada revolução, ora tempestuosa e á superficie, ora surda e recondita, ora tenebrosa, ora resplandecente. E' uma fermentação geral que não se interrompe; é um revolutear insofrido de todos e cada um ás portas cerradas do porvir. Nestes momentos de absorpção, de preoccupações, de incerteza, até os bardos se fazem obreiros, pelejadores, intrigantes, egoistas, covardes, ou scepticos; se algures se conserva a poesia, é nas criancinhas e nos passaros; é nas mulheres e nas flores; é na natureza insensitiva e formosa, que lá vai continuando o seu espectaculo sublime, em quanto os espectadores distrahidos olhando para outra parte conversam noutros assumptos. Dos nossos poetas, que tantos e tão viçosos pullullaram sempre ao bafo benignissimo d'estes ares, quantos apontamos hoje em dia? Morreram uns; envelheceram outros, que é peior maneira de morrer; outros secularisaram-se para os negocios; outros desertaram para a politica; não poucos succumbiram á epidemia da inercia, e jazem, sobreviventes a si mesmos, sobre os seus proprios nomes, como estatuas sobre tumulos, armadas, mas inertes. Foram-se o Curvo Semedo, o Xavier Botelho, o Bingre, a Marqueza d'Alorna, o Nunes Cardoso, o D. Gastão, o Morgado d'Assentiz, o Conde de Sabugal, o Leitão de Gouvêa, o Pimentel Maldonado, a Pimentel Maldonado, a D. Josepha de Balsemão, o Vicente Pedro Nolasco, o Pinto Rebello de Carvalho, o Cyro Pinto Osorio, o Garrett, o Soares de Passos, o Pereira Marecos, o Freire Cardoso da Fonseca, o Silveira Malhão, o Costa e Silva, o Lima Leitão, a D. Emilia de Castilho, o José Maria Grande, o Duque de Palmella, o Correia Caldeira, o João de Aboim, o Passos Manoel, e o Rebocho. Estão mudos: ....... Supprimo d'aqui, depois de já escripto, um catalogo de mais de oitenta nomes. Fôra temeridade converter tantas inercias numa actividade clamorosa contra mim, e depois, sem proveito para pessoa alguma. Deixar dormir quem dorme. Tanti morir e nascere No meio deste silencio gelado só dois, que eu saiba, se obstinam em poetar: o primeiro, é Mendes Leal, o mais fecundo dos nossos escriptores, que nem com os summos negocios do Estado, que o desvelam, se julga dispensado da augusta religião litteraria em que professou; o outro (concedam-me não o dissimular) o outro... sou eu, que nunca desde todo o principio larguei o culto do bello senão pelo do mais bello: nunca desci do Parnazo senão para entrar na escola; nunca interrompi, nem interromperei, o canto, perpetuum carmen, se não para arrotear a alma do povo, afim de que sabios e bons possam nella esparzir ás mãos cheias sementes de proveito, que as influições do ceo não deixarão de prosperar. A cada um a sua tarefa ao Camões, solemnisar o que fizeram os portuguezes; a Mendes Leal, coadjuval-os nas suas emprezas hodiernas; a mim, preparar-lhes a estrada larga para eras novas, mais felizes que a actual e as preteritas. Tres Lusiadas, se desiguaes no vulto, iguaes de certo na manifestação d'amor á patria! O poema de Camões, merecedor, pela fama que nos grangeou, do monumento que lhe levantamos; o poema de Mendes Leal, não de rimas senão de obras positivas e massiças, o meu, se não me atassem as mãos, que forcejam por executal-o, não de rimas nem de obras para já, mas de felicidade publica a medrar pelas eras além. Todos tres estamos pagos do nosso patriotismo: todos achámos a ingratidão. Para o primeiro, já chegou a justiça; para os ultimos, ella chegará; se não fôr em vida, será depois; se não vier num seculo virá noutro; se nào fôr nas folhas avulsas, que voam, será nas paginas da historia, que fica. Quando se gosa de taes convicções, póde-se esperar e cantar. Por isso nós cantamos, quando tantos outros cantores estão calados. Quanto a mim, a quem Mendes Leal de certo inveja o viver obscuro, que tão bem se lhe lograria, resolvi quasi, com uma habilidade que ninguem para si cubiçára, o problema de não ser cousa alguma neste mundo: cá me vivo no meu suburbano com tudo que me é caro, sempre utopista, mas sem ambições pessoaes; reverdecendo todas as primaveras, e em todas ellas florido e gorgeando o meu poucoxinho. Murmuram-me mais as folhas verdes, que as dos periodicos. Passo todo o anno em Tibur. Não me carteio com Augusto, nem me visita Mecenas: mas bons amigos poetas, esses acodem muito pontuaes ao convite do meu bosque de seis arvores, infructiferas como as de D. João de Castro. Não subo nem desço para passar, segundo a estação e a hora, da bibliotheca para o jardim, ou do jardim para a bibliotheca. Nella, ouço cantar todo o passado; nelle, respiro em fragrancias o presente; e ermando, e devaneando, cá vou colhendo, ora filosofia social, ora simples poesia, conforme dá o girar livre e fantasioso do espirito. Do meu Horacio tomei a lição: Condo, et compono, quæ mox depromere possim. Já me disse, não sei quem, ser frivolo, semi-pagão, e para pouco, este viver; havia de ser algum politico militante. Foi de certo (se não era algum invejoso, ou inimigo solapado). Varonil ou não, Deus m'o conserve por annos largos com esta mesma paz por dentro e por fóra, e lá se verá depois quem deixou na colmeia melhor favo. Cuidam elles que nada ha sério senão o coadjuvar ou impecer o bulicio governativo; pois eu sei na consciencia que ha neste mundo coisa muito mais séria e bemfadada. Uma cantiga de Horacio, improvisada ao pé da cascata do Annio, um simples verso de Virgilio, suspirado debaixo de qualquer murta napolitana, sobreviveram a quantos altos negocios do mundo então conhecidos se discutiram no senado roma-no, no triunvirato, ou na cabeça omnipotente de Octavio. Cesar. As leis envelhecem, caem, e substituem-se por ou- tras: Ut silva foliis pronos mutantur in annos; os versos não; nenhum poema revoga os poemas anteriores. A Illiada, a Eneida, os Lusiadas, estão mais vivos e mais vivazes hoje que nos dias em que nasceram. Deixem-me portanto quieto na minha occupada ociosidade, como os eu deixo a elles nas suas cuido que ociosas occupações: trahit sua quemque voluptas. Florentem cytisum sequitur lasciva capella. Corre como averiguado entre os entomologistas serem as abelhas animalculos tão absortos no seu melifico e harmonioso trabalho, que nem estampido de trovões lh'o interrompe, ou lhes põe medo; sou eu logo como as abelhas, que, por mais que estrondeassem lá pela cidade as revoluçõesinhas ephemeras, mal lhes perceberia uns ecos neste recanto: sedet inscius alto Accipiens sonitum saxi de vertice pastor. Em tão bom remanso me estava eu pois uma tarde d'estas cuidando entre mim naquelle ruim prognostico de Pelletan, prognostico de que as rãs no meu tanque redondo, |