DUAS PALAVRAS DO AUTOR. No dia em que pela primeira vez tive a honra de ler o meu poema ao nosso primeiro poeta o Exm. Sr. Antonio Feliciano de Castilho, offereceu-me S. Ex. espontaneamente uma introducção para elle. Calcula-se com que alvoroço eu acceitei e agradeci ao meu autorisado mestre o seu generoso offerecimento; ficaram pagas as minhas fadigas: o meu poema estava nobilitado. Quando porém li a Conversação preambular que S. Ex." mandou para a imprensa, e vi as frases duplicadamente lisongeiras endereçadas ao autor e ao livro, que se dispunham a apparecer no mundo tão modestos como convinha á obscuridade de sua origem, senti que o pejo me afogucava o rosto! Julgava achar uma apreciação severa, com quanto amiga, porque como amigo e muito amigo tinha eu o seu autor; mas achei uma memoria apologetica, toda a respirar affectos, cordialidades, amores! Fui ainda procurar o mestre, o critico, para lhe lembrar que seria justo ser menos benevolente, além dos motivos que me eram pessoaes, para que não julgasse algum leitor mal prevenido, que eu tinha solicitado para o meu poema um cortejo de tão explendidos elogios. O mestre, o critico, tinha sahido; encontrei sómente o amigo que se obstinou em o ser. A todos os meus escrupulos respondeu que se a modestia do autor podia padecer, o editor era livre para acceitar as considerações que elle julgava a proposito fazer. Um editor!... era bom se o meu livro o tivesse. Era facil improvisál-o, mas se a modestia podia esconder-se atraz d'esta sombra que lhe encobria o rubor, a consciencia ficaria gemendo e martirisando-me toda a minha vida. Nada préso tanto como a verdade, é só a verdade podia salvar-me. Aqui a tem os meus leitores. Não ha peccado na publicação d'essas bellas paginas, que são o ornamento do meu livro; e se o houvesse, qual dos nossos escriptores, consultando a sua consciencia, me atiraria a primeira pedra?... Aos meus leitores fica dito o bastante para me não julgarem vaidoso. Ao meu presado mestre e prestantissimo amigo o Exm. Sr. Antonio Feliciano de Castilho consagro um protesto de muito respeito, de muita gratidão, e de muito amizade. CONVERSAÇÃO PREAMBULAR. O historiographo e propheta do progresso, Eugenio Pelletan, que é sem duvida alguma um dos mais insignes poetas da prosa, tem para si que a poesia formulada e medida, a poesia em verso, está por pouco. Allega suas razões para assim o crer, e vê-se que não ha de ser elle dos que deitem luto quando se der á terra com a derradeira lira a derradeira Musa. Não o chamo a terreiro, que fôra desacordo pretender medir armas e provar forças com tão denodado e victorioso campeão. Não desejo parecer-me com alguns dos nossos frades, que, presentindo o convento ameaçado pelo seculo, levaram dos trabucos, e em vez de o salvarem, lhe apressaram a ruina. Por minha parte sento-me pacifico á beira da corrente dos destinos; contemplo o que me passa por diante, e com o que ainda lá vem de longe não me altero. Se eu fôr vivo quando já se não fizerem versos, deitar-me-hei no loireiral dos cisnes que foram, e consolar-me-hei facilmente ouvindo-lhes os cantares, milagrosos cantares, cujos eccos, em logar de esmorecerem com o tempo e com a distancia, se reforçam e se eternisam. ¿Dar-se-ha porém que o prognostico de Pelletan não seja temerario? ¿estarão deveras a emigrar das selvas da alma e para sempre os rouxinoes? ¿o Apollo Homerico, o formoso da perenne mocidade, envelheceria emfim, e jazerá moribundo n'alguma cova do Parnazo barbarisado? Quem o sabe! Que se está operando no mundo mais uma extraordinaria metamorphose, isso é innegavel; e que ella ha de redundar em bem, todas as transformações precedentes o certificam. Fermentavão filosofias; reformam-se crenças; innovam-se politicas; accelera-se o trabalho; augmenta-se a producção; amiuda-se a convivencia; derretem-se os exclusivismos nacionaes; tende a organisar-se a familia humana; as sciencias sugam á porfia substancia na propria natureza; as artes nutrem-se das sciencias, e vem descendo prodigas até ao infimo da plebe; o livro desfaz-se em jornaes; a architectura millionaria, pezada, babilonica, dispersa-se em modificações ligeiras, economicas, improvisaveis, ridentes, commodas, compativeis com o variar das modas, com o cambiar e progredir do gosto, com a adopção dos inventos e descobrimentos que possam vir; a filarmonica penetrou na aldeia e subiu ás serras; o sol fez-se retratista para todos; a prensa lythographica atavia de paineis a morada do pobre; o buxo gravado explica, desenvolve, e completa a palavra escripta, convida á leitura e cunha na memoria; as inachinas desoccupam os braços do trabalho servil, e promettem bandos novos de applicados a creações de mais subida natureza Mas que emprehendo eu numerar ondas neste occeano revolto e creador! Sente-se (consolemo-nos) que se andam apparelhando magnificos futuros; nossos netos os desfrutarão por nós, como nós estamos gosando do que nóssos bisavós nunca pensaram. Um progresso essencial falta comtudo entre tantos progressos; um progresso, que a todos os outros duplicaria alma e criaria azas: é o ensino elementar gratuito e obrigatorio; esse principio sacrosanto, hoje solemnemente prégado ao mundo pelo autor do evangelho social, intitulado os Miseraveis, mas já antes d'elle annunciado e servido de alma e coração neste pobre canto de terra pelo obscuro autor das presentes linhas. E mais ainda pedia este e pede, supplicava e supplíca, propunha e propoe, para o alumiamento do povo, criança adulta de hoje, e da puericia, que ha de ser a nação de amanhã queria, e quer, que a escola, além |