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Foi hoje salteal-a. A innocente,
Que tão segura estava, não fugiu.
Não lhe valeu o amor com que te amava.
Não teus filhos, com quem se defendia.
Não aquella innocencia, e piedade,
Com que pediu perdão aos pés lançada
D'El-Rei teu pae, que teve tanta força
Que lho deu já chorando. Mas aquelles
Crueis Ministros seus, e Conselheiros
Contr'aquelle perdão tão merecido
Arrancando as espadas se vão a ella
Traspassando-lh'os peitos cruelmente;
Abraçada c'os filhos a mataram,
Que inda ficaram tinctos do seu sangue.
Infante. Que direi? que farei? que clamarei?
O fortuna! ó crueza! ó mal tamanho!
O minha Dona Ignez, ó alma minha,
Morta m'és tu? morte houve tão ousada
Que contra ti podesse? ouço-o, e vivo?
Eu vivo, e tu és morta? ó morte crua!
Morte céga mataste minha vida,
E não me vejo morto? abra-se a terra,
Sorva-me n'um momento: rompa-s'alma,
Aparte-se de um corpo tão pesado,
Que m'a detem por força.

Ah! minha Dona Ignez, ah! ah! minh'alma!
Amor meu, meu desejo, meu cuidado,
Minh'esperança só, minh'alegria,
Mataram-te? mataram-te? tua alma
Innocente, formosa, humilde e sancta
Deixou já seu logar? ah! de teu sangue
S'encheram as espadas? de teu sangue?
Que espadas tão crueis, que crueis mãos?
Ah! como se moveram contra ti?
Como tiveram,forças, como fios
Aquelles duros ferros contra ti?
Como tal consentiste, Rei cruel?
Imigo meu, não pae, imigo meu!

Porque assim me mataste? ó leões bravos!
Ó tigres! ó serpentes! que tal sede

Tinheis deste meu sangue! porque causa
Vós não vinheis em mim fartar vossa ira?
Matareis-me, e vivera. Homens crueis,
Porque não me matastes? meus imigos,
Se mal vos merecia, em mim vingareis
Esse mal todo. Aquella ovelha mansa
Innocente, formosa, simples, casta,
Que mal vos merecia? mas quizestes
Como imigos crueis buscar-me a morte
Não da vida, mas d'alma, Ó Ceus, que vistes
Tamanha crueldade, como logo

Não caistes? O montes de Coimbra,
Como não sovertestes taes Ministros?
Como não treme a terra, e s'abre toda?
Como sustenta em si tão gran crueza?
Messageiro. Senhor, para chorar fica assás tempo:
Mas lagrimas que fazem contr'a morte?,
Vae ver aquelle corpo, vae fazer-lhe
As honras que lhe deves.

Infante.

Tristes honras!
Outras honras, senhora, te guardava:
Outras se te deviam. Ó triste! triste!
Enganado, nascido em cruel signo,

Quem m'enganou? ah! cégo, que não cria
Aquellas ameaças! mas quem crêra
Que tal podia ser?

Como poderei ver aquelles olhos
Cerrados para sempre? como aquelles
Cabellos já não de ouro, mas de sangue?
Aquellas mãos tão frias, e tão negras,
Que antes via tão alvas, e formosas?
Aquelles brancos peitos traspassados
De golpes tão crueis? aquelle corpo,
Que tantas vezes tive nos meus braços
Vivo, e formoso, como morto agora,
E frio o posso ver? ai! como aquelles
Penhores seus tão sós! ó pae cruel!
Tu não me vias nelles? meu amor,
Já me não ouves? já não te hei de ver?
Já te não posso achar em toda a terra?

Chorem meu mal commigo quantos m'ouvem.
Chorem as pedras duras, pois nos homens
S'achou tanta crueza. E tu, Coimbra,
Cobre-te de tristeza para sempre.
Não se ria em ti nunca, nem s'ouça
Senão prantos, e lagrimas: em sangue
Se converta aquella agua do Mondego.
As arvores se sequem, e as flôres.
Ajudem-me a pedir aos Ceus justiça
Deste meu mal tamanho.

Eu te matei, senhora, eu te matei.
Com morte te paguei o teu amor.
Mas eu me matarei mais cruelmente
Do que te a ti mataram, se não vingo
Com novas crueldades tua morte.
Par'isto me dá Deus sómente vida.
Abra eu com minhas mãos aquelles peitos,
Arranque delles uns corações féros,
Que tal crueza ousaram: então acabe.
Eu te perseguirei, Rei meu imigo.
Lavrará muito cedo bravo fogo
Nos teus, na tua terra, destruidos
Verão os teus amigos, outros mortos,
De cujo sangue s'encherão os campos,
De cujo sangue correrão os rios,
Em vingança daquelle: ou tu me mata,
Ou foge da minh'ira, que já agora
Te não conhecerá por pae. Imigo
Me chamo teu, imigo teu me chama.
Nao m'ês pae, não sou filho, imigo sou.
Tu senhora, estás lá nos Ceus, eu fico
Em quanto te vingar: logo lá voo.
Tu serás cá Rainha, como fôras.
Teus filhos, só por teus, serão Infantes.
Teu innocente corpo será posto
Em estado Real: o teu amor
M'acompanhará sempre, té que deixe
O meu corpo c'o teu; e lá vá est'alma
Descansar com a tua para sempre.

O mesmo fl. 232 v.

CATÃO (273)

ACTO IV

Scena III

Catão, Marco-Bruto, etc.

Catão.

-Um tyranno é, sem duvida, na terra
O malvado maior: mas nem por isso
Te é licito punil-o. Magistrados

Que o julguem, leis que o punam,----com algozes
Para as executar, tem a republica.

Usurpas tambem tu se em juiz privado

De publicas offensas te institues.
Marco-B. Mas uma lei, ó pae, tu me ensinaste
Que sobre todas respeitar se deve:
Mais veneranda e antiga m'a dizias
Que todas essas leis, -que plebiscitos,
Que sanatus-consultos, -em mais clara
Equidade fundada do que o Album

Catão.

Do pretorio,-gravada n'outro bronze
Mais duravel que as tabuas dos Decemviros; (274)
Lei das leis, immutavel e suprema,
-A da salvação publica.

O difficil

É conhecer, meu filho, quando a força.
Dessa maxima lei quebra a das outras;
Quando o feito é injusto, opposto a ellas,
A salvação da patria o revalida.
-Em meus primeiros dias, no ingenuo
Despertar de innocente puberdade,
Me levaram, ó Marco, aos sanguinosos
Paços de Sylla. —(De meu pae amigo, (275)
Fôra o monstro.)-Inda as carnes se arripiam
C'o presente espectaculo que tenho
Diante dos olhos,-do cruor esparso,
Dos palpitantes membros estrangulados,

Dos tabescentes, lividos cadaveres
Nas cruzes pelos atrios; --- a viuva
Gemendo além, carpindo o orphão;— e o torvo
Aspecto, o feroz riso dos ministros
Do tyranno, apupando com motejos
As sanguentas cabeças dos mais nobres,
Mais illustres varões que Roma tinha,
E que hasteadas em triumpho hediondo
De atroz pompa levavam... Vista horrivel!
E.... inda mais de indignar! e mais ainda
As trementes entranhas me excitava,
O ver, o ouvir as turbas circumstantes
Devorando seus tremulos gemidos,
Disfarçando,-cubrindo a face pallida,
Que lhes não vissem a furtiva lagrima!
E a mão, que stringir devia o ferro,
E que talvez segura no mais rijo
Da batalha o brandíra,-mal ousava
De ir, co'a orla da toga, a medo e trépida,
Aos olhos que alma timida arrasava

De feminino pranto... - O que é o povo!:.
O que são homens! Hontem expulsastes
A Coriolano porque ousou negar-vos
Os baldios communs: hoje, fugindo
Abandonaes á furia dos patricios

Graccho que vol-os dava!-E agora...O intimo (276)
D'alma joven, ardente me anciava

C'o spectaculo feio e vil. «E como-
(Disse a meu pedagogo) como em Roma

« Não ha quem mate Sylla?»« Não (me torna
Branco de medo o velho), não; detestam-n'o:
Mas temem-n'o inda mais.» «E porque (cégo
De ira lhe respondi) porque uma espada
«Me não dás, que o vou eu matar-e livro
« A patria? A grande custo me conteve,
E me levou d'alli o ancião prudente;
Nem lá voltamos.-Vinha de bom animo

A tenção: mas que importa! Mario ahi estava (277)
Para inutilizar o feito ardido,

Se meu infante braço o executára.

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