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O Mestre morre alli de Sanct-Iago,
Que fortissimamente pelejaya:
Morre tambem, fazendo grande estrago,
Outro Mestre cruel de Calatrava:
Os Pereiras tambem arrenegados
Morrem, arrenegando o Ceu, e os fados.

XLI

Muitos tambem do vulgo vil sem nome
Vão, e tambem dos nobres, ao profundo,
Onde o trifauce cão perpetua fome (62)
Tem das almas que passam deste mundo:
E, porque mais aqui se amanse e dome
A suberba do imigo furibundo,

A sublime bandeira castelhana
Foi derribada aos pés da lusitana.

XLII

Aqui a fera batalha se encruece
Com mortes, gritos, sangue e cutiladas;
A multidão da gente, que perece,
Tem as flores da propria côr mudadas.
Já as costas dão, e as vidas; já fallece
O furor, e sobejam as lançadas:
Já de Castella o Rei desbaratado
Se vê, e do seu proposito mudado.

XLIII

O campo vae deixando ao vencedor,
Contente de lhe não deixar a vida:
Seguem-no os que ficaram; e o temor
Lhe då, não pés, mas azas á fugida.
Encobrem no profundo peito a dôr
Da morte, da fazenda despendida,
Da magoa, da deshonra e triste nojo
De ver outrem triumphar de seu despojo.

XLIV

Alguns vão maldizendo, e blasphemando Do primeiro que guerra fez no mundo;

Outros a sede dura vão culpando
Do peito cubicoso, e sitibundo,
Que, por tomar o alheio, o miserando
Povo aventura ás penas do profundo;
Deixando tantas mães, tantas esposas,
Sem filhos, sem maridos, desditosas.

Obras de Luiz de Camões 1852-pag. 132.

CANTO VI

Descripção da tempestade

LXX

Mas neste passo assim promptos estando,
Eis o mestre, que olhando os ares anda,
O apito toca: acordam despertando
Os marinheiros d'uma e d'outra banda:
E, porque o vento vinha refrescando,
Os traquetes das gaveas tomar manda:
Alerta, disse, estae, que o vento cresce
Daquella nuvem negra que apparece.

LXXI

Não eram os traquetes bem tomados,
Quando dá a grande, e subita procella:
Amaina, disse o mestre a grandes brados,
Amaina, disse, amaina a grande vela.
Não esperam os ventos indignados
Que amainassem; mas junctos dando nella,
Em pedaços a fazem, c'um ruido,
Que o mundo pareceu ser destruido.

LXXII

O Ceu fere com gritos nisto a gente,
Com subido temor, e desacordo,
Que no romper da vela a nau pendente
Toma grão somma d'agua pelo bordo.

Alija, disse o mestre rijamente,
Alija tudo ao mar: não falte acordo:
Vão outros dar á bomba, não cessando:
A bomba, que nos imos alagando.

LXXIII

Correm logo os soldados animosos
A dar á bomba; e tanto que chegaram
Os balanços, que os mares temerosos
Deram á nau, n'um bordo os derribaram.
Tres marinheiros duros e forçosos,
A menear o leme não bastaram;

Talhas lhe punham d'uma e d'outra parte.
Sem aproveitar dos homens força, e arte.

LXXIV

Os ventos eram taes, que não poderam
Mostrar mais força d'impeto cruel,
Se para derribar então vieram

A fortissima torre de Babel.

Nos altissimos mares, que cresceram,
A pequena grandura d'um batel

Mostra a possante nau, que move espanto,
Vendo que se sustem nas ondas tanto,

LXXV

A nau grande em que vae Paulo da Gama
Quebrado leva o mastro pelo meio,
Quasi toda alagada: a gente chama
Aquelle que a salvar o mundo veio.
Não menos gritos vãos ao ar derrama
Toda a nau de Coelho, com receio,
Com quanto teve o mestre tanto tento,
Que primeiro amainou, que désse o vento.

LXXVI

Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo:
Agora a ver parece que desciam
As intimas entranhas do profundo.

Noto, Austro, Boreas, Aquilo queriam (63)
Arruinar a maquina do mundo:

A noite negra, e fèia se allumia
Co'os raios em que o polo todo ardia.

LXXVII

As Halcyoneas aves triste canto (64)
Juncto da costa brava levantaram,
Lembrando-se de seu passado pranto,
Que as furiosas aguas lhe causaram.
Os delphins namorados entretanto
Lá nas covas maritimas entraram,
Fugindo á tempestade, e ventos duros,
Que nem no fundo os deixa estar seguros.

LXXVIII

Nunca tão vivos raios fabricou
Contra a fera suberba dos gigantes
O grão ferreiro sordido, que obrou
Do enteado as armas radiantes: (65)
Nem tanto o grão Tonante arremessou (66)
Relampagos ao mundo fulminantes

No grão diluvio, d'onde sós viveram,

Os dous, que em gente as pedras converteram.

LXXIX

Quantos montes então que derribaram
As ondas que batiam denodadas!
Quantas arvores velhas arrancaram
Do vento bravo as furias indignadas!
As forçosas raizes não cuidaram
Que nunca para o Ceu fossem viradas;
Nem as fundas areias que podessem

Tanto os mares, que em cima as revolvessem.

O mesmo - Pag. 215.

CANTO IX

Descripção da ilha dos Amores

LIV

Tres formosos outeiros se mostravam
Erguidos com suberba graciosa,
Que de gramineo esmalte se adornavam,
Na formosa ilha alegre, e deleitosa:
Claras fontes, e limpidas manavam
Do cume, que a verdura tem viçosa:
Por entre pedras alvas se deriva
A sonora lympha fugitiva.

LV

N'um valle ameno, que os outeiros fende,
Vinham as claras aguas ajunctar-se,
Onde uma meza fazem, que se estende
Tão bella, quanto póde imaginar-se:
Arvoredo gentil sobre ella pende,
Como que prompto está para affeitar-se,
Vendo-se no crystal resplandecente,
Que em si o está pintando propriamente.

LVI

Mil arvores estão ao ceu subindo
Com pomos odoriferos e bellos:
A larangeira tem no fructo lindo

A côr, que tinha Daphne nos cabellos: (67)
Encosta-se no chão, que está caindo
A cidreira co'os pezos amarellos:

LVII

As arvores agrestes, que os outeiros
Tem com frondente coma ennobrecidos,
Alemos são de Alcides, e os loureiros
Do louro Deus amados, e queridos;

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