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Á MEMORIA

DO

MAIS NOTAVEL E O MAIS OUSADO NAVEGADOR PORTUGUEZ

GIL EANES

Quasi desapercebido passa na nossa historia maritima e colonial o nome de Gil Eanes. D'elle apenas se sabe que fôra cavalleiro do infante D. Henrique e que nascera em Lagos.

Dos seus feitos cita-se o ter dobrado o Cabo Bojador; da sua genealogia, da data do seu nascimento, nada existe, e o nome de Gil Eanes atravessa os seculos como se fóra um homem vulgar, sem direito a ser lembrado n'um centenario, quando outros de menos valia teem sido elevados ao apogeu da gloria, devido a factos secundarios que se prendem com os feitos d'este valente marinheiro.

O infante D. Henrique, dotado de uma vasta illustração, passando a Sagres alli fez reunir junto de si uma pleiade de maritimos portuguezes, aos quaes ministrou o melhor ensino da navegação, para com mais afoiteza descobrirem o caminho maritimo para o sul da Africa.

Foi um grande mestre em mathematica, especialmente em cosmographia, e em Sagres se estabeleceu, não só para ensinar, mas tambem para com uma certa ordem fazer sahir os barineis que deviam lançar-se no mar Tenebroso.

Não se pode duvidar de que o infante concorreu muito para a pros

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peridade e gloria da nação portugueza, tomando a peito a descoberta de algumas terras remotas na costa occidental da Africa; mas afigura-se-nos que, além da gloria que buscava para a sua patria, pensava tambem nos interesses que The podiam advir, como realmente succedeu com a escravaria de Arguim.

Se em parte contribuiu com os seus conhecimentos para Portugal ter a gloria nas descobertas, pondo-se á testa de um punhado de portuguezes, aos quaes animava solicitando-lhes os serviços, para deixarem paginas illustres na historia patria, é certo não ter reclamado para si essas glorias, que aos discipulos pertenciam.

Ainda não ha muitos annos vimos a Sociedade de Geographia de Lisboa occupar-se desinteressadamente de explorações no interior da Africa, entre Angola e Moçambique, escolhendo para essa difficil missão Capello, Ivens e Serpa Pinto, cujos nomes se illustraram, ao mesmo tempo que conseguiam paginas de gloria para o seu paiz, sem que a Sociedade de Geographia, como a promotora d'aquelles trabalhos, tivesse reclamado para si um pedestal.

A nação, o povo portuguez e os estrangeiros só deitavam flores áquelles tres illustres portuguezes.

Gil Eanes teve egualmente o seu logar; o infante D. Henrique foi o promotor, mas não o intrepido marinheiro que despedaçara as novas columnas de Hercules e que abrira as portas do mar Tenebroso. As estatuas symbolicas erigidas pelo pavor dos geographos arabes, desferindo o vôo deante do barinel de Gil Eanes, fugiram para regiões mais re

motas.

A gloria de Gil Eanes não consiste em ter dobrado o Cabo Bojador, em ter percorrido muitas leguas de costa até á Pedra da Galé e abrir o caminho maritimo para o oriente e occidente.

É a de ter affrontado com o maior sangue-frio os pavores que amedrontavam todos os seus contemporaneos, como a passagem do Cabo, que elles reputavam façanha só egual aos trabalhos de Hercules.

Antes de Gil Eanes, em 1418, fóra mandado Bartholomeu Perestrello, cavalleiro da casa do infante D. João, dobrar o Bojador; sendo assaltado por um temporal não conseguiu e nem tentou mais.

O infante D. Henrique tentara por mais de doze annos dobral-o com os seus navios.

Depois de tantas investidas sem resultado algum, é facil de presumir que a opinião dos geographos arabes causava medo aos navegadores d'aquella epocha, aos quaes estes davam inteiro credito.

Foi o Bojador dobrado pelos annos de 1429 a 1430 e assim desfez Gil Eanes a lenda d'aquelles geographos; a noticia echoando por toda a Europa inspirou a todos os povos uma grande admiração pelos portuguezes. Vieram fidalgos e marinheiros de todas as nações, castelhanos, italianos, allemães e suecos, a Portugal para tomarem parte nas nossas grandes empresas e verem as maravilhas, que a nossa audacia arrancara ao mysterio em que estavam sepultadas.

Gil Eanes não descobriu só o caminho maritimo para o oriente; abriu as portas á navegação para todo o mundo.

Das suas cinzas ninguem sabe onde repoisam; recordação do seu nome nem no pobre casco de um navio portuguez figura a par de Bartholomeu Dias, Vasco da Gama, Sá da Bandeira, duque da Terceira e outros que não commetteram nunca actos de tanto heroismo nem deram a Portugal tantas riquezas e paginas tão brilhantes na sua historia.

O AUCTOR.

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