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22 de março, em companhia de Vicente Dias, como elle affirma na referida narrativa.

Passemos agora a analysar os periodos mais importantes d'esta viagem, deixando para mais tarde as considerações que teremos de fazer sobre a primeira data.

Affirma Cadamosto os seguintes pontos principaes:

1.° Que partiu de Lagos no principio de maio;

2.° Que soffreu um grande temporal do SW. nas alturas do Cabo Branco; 3.° Que ao terceiro dia, estando na volta de WNW., avistara duas ilhas; 4.° Que a uma d'estas ilhas poz o nome de Boavista;

5.° Que subindo ao cume de um monte da ilha descobriram mais tres, sendo uma ao norte e duas ao sul;

6.° Que chegaram a uma ilha, onde lançaram ancora no dia de S. Filippe e S. Thiago, que é no dia 1 de maio.

Não comprehendemos como a caravela, tendo partido de Lagos no principio de maio, pudesse chegar no dia 1 do mesmo mez á ilha de S. Thiago. Parece que houve engano de datas ou pouco rigor na leitura do manuscripto, e por isso não insistiremos n'este ponto.

Emquanto ao segundo ponto ainda até hoje não consta que reinasse nas alturas do Cabo Branco o SW. em maio, e muito menos tempestuoso que o obrigasse a aguentar-se duas noites e tres dias, e ainda menos acreditaremos que estando na volta de WNW. pudesse ao terceiro dia avistar duas ilhas.

Estando o Cabo Branco muito ao norte do archipelago, e admittindo que a caravela fôra surprehendida por um temporal do SW., não é crivel que estando ella na volta do mar, ou em amuras a BB. (bombordo), o abatimento e algum seguimento que tivesse a atirasse para o sul, quando é certo que o abatimento seria para o norte, obrigando-a a afastar-se do archipelago.

Reinando a brisa n'essas alturas todo o anno, que só accalma quando ha proximos temporaes do sul, custa a perceber como é que um navio de véla pudesse vencer uma distancia tão grande em tão pouco tempo, isto é, para que ao terceiro dia aportasse à ilha da Boavista.

A caravela tinha a velocidade de um raio, ou então os tripulantes amarraram algum santo ao mastro, obrigando-o a fazer esse milagre.

Tambem não está de accordo o nome da ilha que descobriu, e que chamou Boavista, com o mencionado na doação feita por D. Affonso V ao infante D. Fernando em 3 de dezembro de 1460 (Torre do Tombo, Livro 3 dos misticos), que lhe chama S. Christovam.

A carta diz:

D. Affonso, etc. A quantos esta carta virem Fazemos saber que concirando nos as muitas virtudes do Iffante Dom Fernando meu muito prezado e amado Irmão e aos singullares serviços que com muita lealdade nos sempre fez e ao diante esperamos d'elle receber e de sy esguardando ao grande amor e singullar afeição que a elle temos e as rezoes que nos movem ao muito amor e lhe fazemos muitas merces e o acrescentamento segundo requere a grandeza do seu estado e nos obriga o grande devido que com elle temos da nossa livre vontade certa sciencia poder absoluto sem no lo elle pedindo nem outrem por elle Temos por bem e fazemoslhe merce das Ilhas comvem a sabem a saber da Ilha da madeira e da Ilha do Porto Santo e da Ilha Dezerta e da Ilha de São Luiz e da Ilha de São Deniz e da Ilha de São Jorge e da Ilha de Sam Thomaz e da Ilha de Santa Eyrea e da Ilha de Jesu Christo e da Ilha Gracioza e da Ilha de São Miguel e da Ilha de Santa Maria e da Ilha de São Jacobo e Felipe e da Ilha de las mayaes e da Ilha de Sam Christovam e da Ilha Lhana com todalas rendas direitos e jurdições que a nos hora em ellas pertence e de direito devemos daver assy como as de nos havia o Iffante Dom Henrique meu tio que Deus haja e queremos que o dito Iffante meu Irmão em sua vida e depois d'elle hum seu filho mayor barom hajam as ditas Ilhas comvem a saber a da madeira e a do Porto Santo e Dezerta e de São Luiz e de São Deniz e a de São Jorge e a de São Thomaz e a de Santa Eyrea e a de Jesu Christo e a da Graciosa e a de São miguel e a de Santa Maria e a de São Jacobo e Fellipe e de las mayaes e de São Christovam e a Lhana em suas vidas como dito he assy e tam compridamente como as nos podemos dar e as tinha e havia o dito Iffante meu tio que Deus haja com todos seus direitos e jurdições e assy como lhe herão outorgadas por nossas doaçoes as quaes nos praz serem per nos e nossos successores compridas e guardadas ao dito Iffante meu Irmão e ao dito seu filho depois delle como dito he e prometemos por nossa fe Real e mandamos a todos nossos herdeiros e successores que depois de nos quando a Deos aprouver vierem a ser Rex destes Regnos que leixem haver livremente as ditas Ilhas ao dito Iffante meu muito prezado e amado Irmão em sua vida e depois delle ao dito seu filho como per nos em esta Carta he sam outorgadas sem lhe poerem em ello duvida algua porque assy he nossa merce sem embargo de quaesquer lex glozas opinioes de Doutores e outras nossas ordenações que digam que as taes cousas devem ser sempre da Corôa de nossos Reynos e nam dadas a alguas pessoas as quaes todas per esta Carta havemos por annulladas e cassadas e de nenhum vallor e queremos que esta se cumpra e guarde como em ella he contheudo. Dada em a nossa Cidade de Evora tres dias do mez de Dezembro. Jorge Machado a fez anno de nosso Senhor Jesu Christo de 1460.» 1

1 Torre do Tombo, Livro 3 dos misticos.

Em 1462 ainda a ilha se denominava de S. Christovam, como consta de um documento que existe na Torre do Tombo, no Livro das Escripturas, e que se refere á doação feita por D. Affonso V de todas as ilhas de Cabo Verde ao infante D. Fernando, a qual menciona as cinco ilhas que foram encontradas no tempo do infante D. Henrique, como verêmos mais adiante.

Só no reinado de D. João II é que essa ilha se passou a denominar da Boavista; pelos annos de 1490 já assim era conhecida, e, cousa notoria, só em 1507 é que sahia a lume a narrativa de Cadamosto!

Os documentos merecem muita mais fé do que tal narrativa, e por isso é nossa opinião que ella foi escripta pelo punho de Luiz de Cadamosto muitos annos depois de descobertas as ilhas, fundando-se em informações fornecidas por Antonio da Noli, que faleceu pelos annos de 1496 a 1497, e outros navegadores, ou que Cadamosto nunca a escrevera, o que nos parece mais acertado.

O distincto escriptor Lopes de Lima, nos seus Ensaios estatisticos, negando a gloria d'essa descoberta a Cadamosto, refuta que da ilha da Boavista se aviste a ilha de S. Thiago.

É o unico ponto exacto da narrativa, e admira que Lopes de Lima ignorasse isso, tanto mais que nas proximidades d'essa ilha, em dias claros, se avistam todas as do archipelago, quanto mais S. Thiago, que está d'ella a pequena distancia.

Sobre a data da descoberta tambem não foi Cadamosto mais feliz, e custa a crêr que alguns escriptores se illudissem com essa descripção, entre os quaes especialisaremos Damião de Goes, que a ella se refere na Chronica do Principe D. João, capitulo VIII, e Fr. Francisco de S. Luiz no seu Indice chronologico. Mais disparatado foi Manuel Faria e Sousa, que attribuindo a descoberta de S. Jacobo, S. Felipe e S. Christovam a Diniz Fernandes, deixou a ilha do Maio (Mayaces) para dar essa gloria a Cadamosto e Vicente Dias.

Ouçamos agora João de Barros, cuja opinião auctorisada, n'estes assumptos, foi e tem sido posta de parte, por historiadores e escriptores antigos e modernos. Diz, que foi Antonio de Noli, genovez de nação e homem nobre, que por desgostos da patria veiu a este reino com duas naus e um barinel e em companhia do qual vinham Bartholomeu da Noli, seu irmão, e Raphael da Noli, seu sobrinho, aos quaes o infante deu licença para descobrir terras, e do dia que partiram da cidade de Lisboa a desesseis dias, foram ter á ilha do Maio á qual pozeram este nome porque a viram em tal dia. E no dia seguinte que era de S. Thiago e S. Felipe descobriram duas que têm o nome d'aquelles santos. No qual tempo eram tambem idos ao descobrimento d'ellas, uns creados do infante D. Fernando, os quaes descobriram as outras, que todas se chamam as ilhas de Cabo Verde.

Cita João de Barros o anno de 1461 para a descoberta, e alonga a vida do infante D. Henrique até 1463, que se sabe faleceu a 13 de novembro de 1460.

D'outra fórma seria incomprehensivel, como estando vivo o infante D. Henrique, foram ainda algumas ilhas descobertas pelos creados do infante D. Fernando antes de 1463, quando este infante só pela morte d'aquelle é que ficou herdeiro das ilhas, como consta do testamento de D. Henrique de 13 de outubro de 1460 e da carta de doação de 3 de dezembro de 1460.

Se exceptuarmos, porém, João de Barros, o qual com mais exactidão relatou esse descobrimento, concebe-se que não tendo os outros auctores, quando se occuparam d'essa descoberta, conhecimento da Chronica de Azurara, pois durante muito tempo se ignorou a sua existencia, lançassem mão das relações de Cadamosto.

Este veneziano fixou os annos de 1445 e 1446 ás suas duas viagens, dizendo que Vicente Dias fora como patrão na sua caravela, para poder confundil-a com alguma das quatorze, que em 1446 sahiram de Lagos, uma das quaes era capitaneada pelo mesmo Vicente Dias.

Se compararmos a Chronica de Azurara com as relações de Cadamosto, conclue-se que a viagem do Senegal feita por Vicente Dias em 1445 não é a que elle realisou em companhia de Cadamosto, porque este diz: que o Senegal fóra descoberto por tres caravelas do infante D. Henrique, cinco annos antes que elle fizesse essa viagem.

Ora Azurara relatando todos os successos do descobrimento da Guiné até 1478, e dando conta dos capitães de todas as caravelas não menciona Cada

mosto.

Tiraboschi e Ramuzio publicando as relações de Cadamosto em 1550 substituiram-lhe as datas de 1445 e 1446 pelas de 1455 e 1456.

Temos, portanto, que se Cadamosto fez a sua primeira viagem em 1445, a descoberta do Senegal teria sido cinco annos antes, em 1440, o que é falso porque Azurara affirma claramente que foi em 1446 (Capitulos LXIII e LXXV).

Se acceitarmos a data de 1455 para a primeira viagem, segundo Tiraboschi e Ramuzio, foi o Senegal descoberto cinco annos antes, em 1450, o que é egualmente falso pela auctoridade insuspeita de Azurara.

Em resumo, concluimos que a data da descoberta do Senegal marcada por Cadamosto não está de accordo com o indicado por Azurara, e sem duvida este merece todo o credito, porque em 1448 dava já noticia das terras da Guiné, e aquelle só n'ellas fallou em 1450.

Não duvidamos, todavia, que Cadamosto fizesse a sua primeira viagem em 1455 como consta do já citado manuscripto de Genova, pois que foi em 8 de agosto de 1454 que sahiu de Veneza a bordo de um navio inglez da eş

quadra que a serenissima Republica enviava a Flandres sob o commando de Marco Zeno.

A 22 de março de 1455 sabiu Cadamosto com Vicente Dias na sua caravela indo até á Guiné; e, mais tarde, alli appareceram duas caravelas, n'uma das quaes ia Antonio da Noli ou Antoniotto Usodimare.

Conta Cadamosto que no anno seguinte ao da sua primeira viagem, portanto em 1457, o genovez Antonio da Noli, de accordo com elle, mandou armar duas caravelas para irem negociar a Africa, e o infante juntou a essa expedição uma caravela sua, sahindo todas de Lagos em principio de maio.

Esta é a data da segunda viagem, e averiguado como está, que partindo elle em principio de maio d'esse anno, o que se harmonisa com a tal narrativa, menos na data, como poderia ser já conhecido o archipelago de Cabo Verde, se d'elle não falla o infante D. Henrique no seu testamento de 13 de outubro de 1460? Se d'elle tivesse noticia em 1457 não estariam incluidas no testamento? Nem mesmo incluiu as cinco ilhas: de Santiago, S. Felipe, Mayaes, S. Christova e Sael, que fôram achadas ainda em sua vida, como consta da carta de doação passada ao infante D. Fernando em 19 de setembro de 1462.

«D. Affonso &. A quantos esta carta virem fazemos saber que o Infante D. Fernando, duque de Vizeu e de Beja, senhor da Covilhã e de Moura &, meu mui amado e presado irmão nos enviou mostrar uma carta assignada por nos e sellada de nosso sello pendente feita em Cintra 12 de novembro de 1457, porque lhe fizemos doacção para elle e todos seus herdeiros e successores de todas as ilhas, que por elle ou por seu mandado fossem achadas assim e tão compridamente como a nós podesem pertencer, e com toda jurisdicção civel, crime, reservando para nós feitos crimes, alçada nos casos em que caiba morte ou talhamento de nembro (?) segundo mais compridamente em a dita carta é contheudo, pedindo nos o dito Infante que, porquanto foram achadas 12 ilhas, a saber: cinco por Antonio de Noli, em vida do Infante D. Henrique, meu tio, que Deus haja, que se chamam: a jlha de Santiago e a jlha de Sam Felipe, e a jlha das Mayas e a jlha de Sam Christovam e a jlha do Sall, que são nas partes da Guiné e as outras septe foram achadas por o dito Infante, meu jrmão que são estas a jlha Brava, e a jlha de Sam Nicolao, e a jlha de Sam Vicente e a jlha Raza e a jlha Branca, e a jlha de Santa Lusia e a jlha de Sant'Atonio, que são atravez do Cabo Verde em especial the mandassemos fazer cartas d'ellas, e visto seu requerimento, e querendo-lhe fazer graça e mercê, temos por bem e lhe fazemos d'ella livre, pura, inrevogavel doacção entre vivos valedoira d'este dia para todo sempre, para elle e para todos herdeiros e successores e descendentes que depois d'elle vierem. E queremos que elle haja livremente as ditas jibas e senhorio e povoradores

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