1 Mas ja o claro amador da Larissea Adultera, inclinava os animais Lá pera o grande lago que rodea Temistitão, nos fins occidentais; O grande ardor do sol favonio enfrea Co sopro, que nos tanques naturais Encrespa a agua serena, e despertava Os lirios e jasmins, que a calma agrava;
2 Quando as fermosas nimfas, cos amantes Pela mão, ja conformes e contentes, Subiam pera os paços radiantes, E de metais ornados reluzentes, Mandados da rainha, que abundantes Mesas d'altos manjares excellentes, Lhe tinha aparelhadas, que a fraqueza Restaurem da cansada natureza.
3 Ali em cadeiras ricas cristalinas,
Se assentam dous e dous, amante e dama; Noutras, á cabeceira, d'ouro finas,
Está coa bella deusa o claro Gama.
De iguarias suaves e divinas,
A quem não chega a egipcia antiga fama, Se acumulam os pratos de fulvo ouro, Trazidos lá do atlantico tesouro.
1, 1 de Larissea (Emenda em II) relhados
4 Os vinhos odoriferos, que acima Estão, não só do italico Falerno,
Mas da ambrósia que Jove tanto estima Com todo o ajuntamento sempiterno, Nos vasos, onde em vão trabalha a lima, Crespas escumas erguem, que no interno Coração movem subita alegria, Saltando co'a mistura d'agua fria.
5 Mil praticas alegres se trocavam, Risos doces, sutis e argutos ditos,
Que entre um e outro manjar se alevantavam, Despertando os alegres apetitos.
Musicos instrumentos não faltavam,
(Quais no profundo reino os nus espritos Fizeram descansar da eterna pena) C'ũa voz d'ua angelica Sirena.
6 Cantava a bella ninfa, e cos acentos Que pelos altos paços vão soando, Em consonancia igual os instrumentos Suaves vem a um tempo conformando. Um subito silencio enfrea os ventos, E faz ir docemente murmurando As aguas, e nas casas naturais Adormecer os brutos animais.
7 Com doce voz está subindo ao ceo Altos varões, que estão por vir ao mundo, Cujas claras ideas viu Proteo
Num globo vão, diafano, rotundo; Que Jupiter em dom lh'o concedeu. Em sonhos, e despois no reino fundo Vaticinando o disse; e na memoria Recolheu logo a ninfa a clara historia.
5, 8 Syrena 6, 1 Minfa 6, 3 instromentos
8 Materia é de coturno e não de soco,
A que a nimpha aprendeu no immenso lago, Qual Iopas não soube, ou Demodoco,
Entre os Pheaces um, outro em Carthago.
Aqui, minha Caliope, te invoco
Neste trabalho extremo, porque em pago Me tornes do que escrevo e em vão pretendo, O gosto de escrever, que vou perdendo.
9 Vão os annos decendo, e ja do estio Ha pouco que passar até o outono; A fortuna me faz o engenho frio, Do qual ja não me jacto, nem me abono; Os desgostos me vão levando ao rio Do negro esquecimento e eterno sono; Mas tu me dá que cumpra, ó gram rainha Das Musas, co que quero á nação minha!
10 Cantava a bella deusa, que viriam Do Tejo pelo mar, que o Gama abrira, Armadas que as ribeiras venceriam, Por onde o oceano indico suspira; E que os gentios reis, que não dariam A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira Provariam do braço duro e forte, Até render-se a elle, ou logo á morte.
11 Cantava d'um, que tem nos Malabares Do sumo sacerdocio a dignidade,
Que só por não quebrar cos singulares Barões os nós que dera d'amizade, Sofrerá suas cidades e lugares
Com ferro, incendios, ira e crueldade Vêr destruir do Samorim potente, Que tais odios terá co'a nova gente.
9, 6 fono 10, 1 Cantando (Emenda em 11)
12 E canta como lá se embarcaria Em Belem o remedio d'este dano,
Sem saber o que em si ao mar traria, O gram Pacheco, Achiles lusitano.
O peso sentirão, quando entraria, O curvo lenho, e o férvido oceano,
Quando mais n'agua os troncos, que gemerem, Contra sua natureza se meterem.
13 Mas ja chegado aos fins orientaes, E deixado em ajuda do gentio Rei de Cochim com poucos naturais, Nos braços do salgado e curvo rio, Desbaratará os Naires infernais No passo Cambalão, tornando frio D'espanto o ardor immenso do Oriente, Que verá tanto obrar tam pouca gente.
14 Chamará o Samorim mais gente nova; Virão reis de Bipur e de Tanor,
Das serras de Narsinga, que alta prova Estarão prometendo a seu senhor. Fará que todo o Naire em fim se mova, Que entre Calecú jaz e Cananor, D'ambas as leis imigas, pera a guerra, Mouros por mar, gentios pola terra.
15 E todos outra vez desbaratando Por terra e mar o gram Pacheco ousado, A grande multidão, que irá matando, A todo o Malabar terá admirado. Cometerá outra vez, não dilatando, O gentio os combates apressado, Injuriando os seus, fazendo votos
Em vão aos deuses vãos, surdos e immotos.
16 Ja não defenderá sómente os passos, Mas queimar-lhe-ha lugares, templos, casas: Aceso de ira o cão, não vendo lassos Aquelles que as cidades fazem rasas, Fará que os seus, de vida pouco escassos, Cometam o Pacheco, que tem asas,
Por dous passos num tempo: mas voando D'um noutro, tudo irá desbaratando.
17 Virá ali o Samorim, porque em pessoa Veja a batalha e os seus esforce e anime; Mas um tiro, que com zonido yoa, De sangue o tingirá no andor sublime. Ja não verá remedio ou manha boa, Nem força, que o Pacheco muito estime; Inventará traições e vãos venenos;
Mas sempre (o ceo querendo) fará menos.
18 Que tornará a vez septima, cantava, Pelejar co invicto e forte Luso,
A quem nenhum trabalho pesa e agrava; Mas com tudo este só o fará confuso: Trará pera a batalha horrenda e brava Machinas de madeiros fóra de uso, Para lhe abalroar as caravelas, Que até 'li vão lhe fôra cometê-las.
19 Pela agua levará serras de fogo, Pera abrasar-lhe quanta armada tenha; Mas a militar arte e engenho, logo Fará ser vã a braveza com que venha. Nenhum claro barão no marcio jogo, Que nas asas da fama se sostenha, Chega a este, que a palma a todos toma, E perdoe-me a illustre Grecia ou Romà.
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