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Culpa dos Portugueses, que havemos de expiar

... Nação nenhuma talvez pecou mais contra a humanidade do que a Portuguesa de que fazíamos outrora parte. Andou sempre devastando não só as terras da África e da Ásia, como disse Camões, mas igualmente as do nosso País. Foram os Portugueses os primeiros que, desde o tempo do Infante D. Henrique, fizeram um ramo de comércio legal de prear homens livres, e vendê-los como escravos nos mercados europeus e americanos. ¡Ainda hoje perto de quarenta mil criaturas humanas são anualmente arrancadas de África, privadas de seus lares, de seus pais, filhos e irmãos, transportadas às nossas regiões, sem a menor esperança de respirarem outra vez os pátrios ares, e destinadas a trabalhar tôda a vida debaixo do açoite cruel de seus senhores, elas, seus filhos e os filhos de seus

filhos para todo o sempre!

Se os negros são homens como nós, e não formam uma espécie de brutos animais; se sentem e pensam como nós, ¿ que quadro de dor e de miséria não apresentam êles à imaginação de qualquer homem sensível e cristão? Se os gemidos de um bruto nos condoem, é impossível que deixemos de sentir tambêm certa dor simpática com as desgraças e misérias dos escravos; mas tal é o efeito do costume, e a voz da cobiça, que vêem homens correr lágrimas de outros homens, sem que estas lhes espremam dos olhos uma só gota de compaixão e de ternura. Mas a cobiça não sente nem discorre como a razão e a humanidade. Para lavar-se pois das acusações que merecia lançou sempre mão, e ainda agora lança de mil motivos capciosos, com que pretende fazer a sua apologia: diz que é um acto de caridade trazer escravos de África, porque assim escapam êsses desgraçados de serem vítimas de despóticos régulos: diz igualmente que, se não viessem êsses escravos, ficariam privados da luz do Evangelho, que todo o cristão deve promover, e espalhar: diz, que êsses infelizes mudam de um clima e país ardente e horrível para outro doce,

fértil e ameno; diz por fim, que devendo os criminosos e prisioneiros de guerra serem mortos imediatamente pelos seus bárbaros costumes, é um favor, que se lhes faz, comprá-los, para lhes conservar a vida, ainda que seja em cativeiro.

Homens perversos e insensatos! Tôdas essas razões apontadas valeriam alguma cousa, se vós fôsseis buscar negros à Africa para lhes dar liberdade no Brasil, e estabelecê-los como colonos; mas perpetuar a escravidão, fazer êsses desgraçados mais infelizes do que seriam, se alguns fôssem mortos pela espada da injustiça, e até dar asos certos para que se perpetuem tais horrores, é de-certo um atentado manifesto contra as leis eternas da justiça e da religião. ¿E porque continuarão e continuam a ser escravos os filhos dêsses africanos? Cometeram êles crimes? Foram apanhados em guerra? ¿Mudaram de clima mau para outro melhor? Saíram das trevas do paganismo para a luz do Evangelho? Não por certo, e todavia seus filhos, e filhos dêsses filhos devem, segundo vós, ser desgraçados para todo o sempre. Fala pois contra nós a justiça e a religião, e só vos podeis escorar no bárbaro

direito público das antigas nações, e principalmente na farragem das chamadas leis romanas: com efeito, os apologistas da escravidão escudam-se com os Gregos, e Romanos, sem advertirem que entre os Gregos e Romanos não estavam ainda bem desenvolvidos e demonstrados os princípios eternos do direito natural, e os divinos preceitos da religião; e todavia como os escravos de então eram da mesma côr e origem dos senhores, e igualmente tinham a mesma, ou quási igual civilização que a de seus amos, sua indústria, bom comportamento, e talentos os habilitavam fácilmente a merecer o amor de seus senhores, e a consideração dos outros homens; o que de nenhum modo pode acontecer em regra aos selvagens africanos.

Se ao menos os senhores de negros no Brasil tratassem êsses miseráveis com mais humanidade, eu certamente não escusaria, mas ao menos me condoeria da sua cegueira e injustiça; porêm o habitante livre do Brasil, e mormente o europeu, é não só, pela maior parte, surdo às vozes da justiça, e aos sentimentos do Evangelho, mas até é cego a seus próprios interêsses pecuniários, e à felicidade doméstica da família.

Com efeito, imensos cabedais saem anualmente dêste Império para a África; e imensos cabedais se amortizam dentro dêste vasto país, pela compra de escravos, que morrem, adoecem, e se inutilizam, e demais pouco trabalham. Que luxo inútil de escravatura tambêm não apresentam nossas vilas e cidades, que sem êle poderiam limitar-se a poucos e necessários criados? ¿Que educação podem ter as famílias, que se servem dêstes entes infelizes, sem honra nem religião? ¿de escravas, que se prostituem ao primeiro que as procura? Tudo porêm se compensa nesta vida; nós tiranizamos os escravos, e os reduzimos a brutos animais, e êles nos inoculam toda a sua imoralidade, e todos os seus vícios.

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