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visão clara d'esta nova edade consegue-se destacando esses elementos progressivos:

A rehabilitação da NATUREZA, iniciada pelos Descobrimentos maritimos, conduzindo a uma nova synthese do universo;

O reconhecimento da HUMANIDADE, pela revivescencia da Cultura greco-romana, e espirito de tolerancia;

E O INDIVIDUALISMO, pela libertação da auctoridade tradicional e livre-exame, que suscita as dissidencias espirituaes da Reforma e o prevalecimento do racionalismo.

I

Os Descobrimentos maritimos dos Portuguezes
e o Sentimento da Natureza

A importancia e caracter scientifico dos Descobrimentos maritimos dos portuguezes, acha-se laconicamente referida em 1537 pelo insigne cosmographo Dr. Pedro Nunes, no seu Tratado em defensam da Carta de marear: «Nam ha duvida que as navegações d'este reyno de cem anos a esta parte são as mayores: mais maravilhosas: de mais altas e mais discretas conjeyturas, que as de nenhuma outra gente do mundo. Os Portuguezes ousaram cometer o grande mar Oceano. Entraram por elle sem nenhum receo. Descobriram novas ylhas, novas terras, novos mares, novos povos; e o que mais he: novo céo e novas estrellas. E perderam lhe tanto o medo, que: nem á grande quentura da torrada zona, nem o descompassado frio da extrema parte do sul, com que os antigos escripto

res nos ameaçavam, lhes pôde estorvar; que perdendo a estrella do norte e tornando-a a cobrar: descobrindo e passando o temeroso Cabo da Boa Esperança, o mar de Ethyopia, de Arabia, de Persia, poderam chegar á India. Passaram o rio Ganges tão nomeado, a grande Trapobana, e as ilhas mais orientaes. Tirarã-nos muitas ignorancias e amostraramnos ser a terra mór que o mar e haver hi Antipodas, que até os santos duvidavam; e que não ha regiam que nem per quente nem per fria se deixe de habitar. E que em hum mesmo clima e egual distancia da equinocial, ha homens brancos e pretos e de mui differentes calidades. E fezeram o mar tam cham que nam ha quem hoje ouse dizer que achasse novamente alguma pequena ylha, algūs baxos, ou sequer algum penedo, que por nossas navegações nam seja já descoberto. Ora manifesto he, que estes descobrimentos de costas, ylhas e terras firmes nam se fezeram indo a acertar; mas partiam os nossos mareantes muy ensinados e providos de estormentos e regras de Astrologia e Geometria, que sam as cousas de que os Cosmographos ham de andar apercebidos... Levavam cartas muy particularmente rumadas, e não já as de que os antigos usavam, que não tinham mais figurados que doze ventos, e navegavam sem agulha.»

Depois d'esta sobriedade scientifica, vê se que os grandes Descobrimentos portuguezes deviam influir em uma nova concepção cosmologica, e em um novo ideal da vida humana, que o ascetismo medieval amesquinhara. E' depois d'estes Descobrimentos que Co

pernico estabelece com dados positivos o systema da terra, demolindo de vez a doutrina de Ptolomeu sustentada pelo pedantismo doutoral e pela Egreja. Copernico não occultou quanto devia aos Descobrimentos dos Portuguezes, e no seu livro Astronomia instaurata, de Revolutionibus corporum cœlestium, baseado sobre o conhecimento da esphericidade da Terra, novamente verificada, diz: «Isto será mais claro se fôrem ajuntadas as Ilhas em nosso tempo descobertas sob os Princepes das Hespanhas e da Lusitania, e a America... além de muitas outras Ilhas anterior. mente incognitas; não nos devemos por isso admirar de haver antipodas ou antichtones, pois a rasão geometrica força a considerar a America diametralmente opposta á India gangetica. De tudo isto, finalmente, julga evidente que a terra e a agua se apoiam em um unico centro de gravidade. Não é portanto plana a Terra... mas absolutamente redonda.» Vê-se que a nova concepção cosmica, abraçada unanimemente por todos os sabios, e actuando logo na orientação do bom senso vulgar, não nasceu de um processo subjectivo de intuição genial, mas de uma simples deducção de um facto verificavel. 1 Coperni

1 João Bonança, no monumental trabalho Historia da Lusitania e da Iberia, (t. 1, p. 95) commenta esta declaração de Copernico sobre as consequencias scientificas dos Descobrimentos dos Portuguezes:

<Com effeito, os descobrimentos geographicos heroicamente realisados pelos portuguezes e hespanhoes durante os tres ultimos quarteis do seculo xv e o primeiro do xvi deitaram por terra muitas das vellhas e

co, espirito positivamente disciplinado pelos estudos da Mathematica e da Medicina, viajára por 1503 em Italia, e ahi teve conhecimento da importancia dos Descobrimentos maritimos dos Portuguezes; em 1506 começou a elaboração da nova theoria cosmica no livro De revolutionibus Corporum cœlestium. Na sua probidade de homem de sciencia, confessa Copernico, que os sabios gregos, como Nicetas e Philolaus, os pythagoricos Archy

arreigadas opiniões a respeito do mundo, e produziram conhecimentos que fizeram mudar completamente a face da sciencia e da sociedade, sem que a essa mudança se podessem oppôr com efficacia nem a crença cega das multidões, nem a auctoridade dos sabios, nem o dogmatismo religioso. Desde que os portuguezes trouxeram á Europa os negros da Guiné, bem poderam todos os sabios do mundo esfalfar-se em affirmar com Strabão e Plinio que a zona equatorial era inhabitada, que a sua sabedoria não evocaria mais que um sorriso de incredulidade.

Bem poderia a Egreja com Lactancio e Santo Agostinho negar terminantemente a existencia dos antipodas, e condemnar sob a auctoridade pontifical de Zacarias todo aquelle que affirmasse existir outro mundo e outros homens sobre a terra, que, depois de Fernão de Magalhães ter feito a volta do globo, deixando entre o Oceano Atlantico e o Pacifico o extremo continente americano, habitado por outras raças humanas, ninguem tomaria a serio as doutrinas geographicas e anthropologicas dos Santos Padres.

<<-A Terra estava pois explorada quasi de pólo a pólo, e o seu equador todo percorrido desde as Ilhas de San Thomé e Princepe até á foz do Amazonas. Por toda a parte o globo se havia apresentado isolado no espaço.

Foi a primeira vez que a humanidade após uma existencia de milhares de annos, teve a noção nitida e positiva do mundo que habitava.» (Op. cit., p. 71 e 77.)

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