como meio elucidativo, claro e preciso. O combate é acção; prevê a offensiva, seus effeitos; uma reacção, sua execução; os meios de agir, seus inconvenientes; o terreno da luta, suas vantagens e desvantagens; o imprevisto dependerá da intuição do general. Applique-se á cirurgia e ter-se-á syntheticamente esboçado o acto operatorio. Embora tudo fosse previsto, muito valerá a direcção, decisão, calma, illustração e technica. Impondo a indicação assume o cirurgião uma responsabilidade sómente avaliada pela consciencia; e no seu exercicio deve approximar-se o mais possivel do typo imaginado por Trelat: "Verdadeira trindade, ao mesmo tempo sabio, artista e technico, exigindo da sciencia as noções positivas, da arte as inspirações, da profissão os precisos hospitaes e utensilios, installações e auxiliares, formula o cirurgião no acto operatorio uma das mais poderosas expressões de curar". POETAS LYRICOS CONFERENCIA REALISADA A 18 DE NOVEMBRO DE 1915, PELO DR. GOULART DE ANDRADE (Resumo) A poesia é uma immensa caudal de lympha pura, cujas nascentes brotam do coração. Provinda das mais obscuras regiões d'alma, traz a exhalação das cousas mysteriosas, que vivem no sonho e na chimera, como as torrentes em despenho que carreiam dos bravios sombráes a flor, o tronco, a palma, o cheiro, a alma da floresta para o grande mar arfante e soturno. Eis porque a leitura dos verdadeiros poetas nos dá a impressão desse vago e impreciso das luzes crepusculares, abrindo-se em indefinidas perspectivas, fazendo que os quadros da realidade ambiente se percam nas penumbras da melancholia psychica. A essa caudal sonora se vêm ajuntar os affluentes da sensação, da meditação e da contemplação, rumorosos, sussurrantes ou silentes, a reflectirem o céo azul e a folhagem verde, flores em desabrocho e fructos em sazão, aves esvoaçantes e pantanos parados, noites e alvoradas, valles e montanhas, toda essa voluvel paysagem que nos cerca scenario eterno de todos os dramas da vida! Esta é a razão por que cada qual se revê na historia do coração de um verdadeiro poeta. Ahi encontrareis as lagrimas que vertestes no mais escuro recesso do vosso recolhimento, gemendo para sempre em rithmos, brilhando em tramas e urdiduras divinas, metalisando-se nas eternas fórmas dos monumentos. Ahi, vereis ainda os vossos proprios sentimentos errantes, e immateriaes, fugidios e aérios, tomarem a feição de basilicas resoantes de hymnos, rescendentes de aromas virginaes, faiscantes de luzes, porque o poeta, architecto do imponderavel, corporifica tudo quanto é intangivel e fluidico, por que, com ser o interprete do mundo, o commentador dos phenomenos sociaes, o descortinador do futuro, é o reflector cambiante de todos os sentimentos da especie. João Ribeiro já disse: "Para apprehender o segredo de todas as emoções interiores na sua plenitude, para sentir todas essas reações das forças secretas e intimas, de todo esse turbilhão vital, de todos esses elementos imperceptiveis carregados de mysteriosa essencia, que convulsionam a alma, inflammam, corroem, clarificam, turbam, explodem fragorosas ou fervem em silencio, seria preciso ter a constituição desses seres, a mesma densidade ou a mesma fluidez que lhes é propria." Elles são assim como polyedros de rara rutilancia, em cujas arestas se crystallisam a ordem, a imaginação, a memoria, o poder da expressão e o senti A.B. 40 34 mento. Dahi tudo quanto reflectem vir até nós revestido de um feitio suave, colorido, ampliado, suggestivo e harmonioso. Se as mais das vezes esses reflexos tomam, furtivos tons ennevoados, é porque incidem de preferencia nas facetas de onde elles sahem, os maguados raios violeta da tristeza immensuravel do mundo. Cada dôr humana tira-lhes um gemido; cada injustiça uma faisca; cada victoria um brado; cada amor um soluço! Cada amor um soluço que, por mim, ainda não vi amor sem lagrimas, sem melancholias, sem estertores. E como a Volupia é, desde os gregos, a irmã gemea da Morte, sentem elles por igual os desvairos e as deliquescencias desses pobres doentes do divino mal da paixão, que se resolve em rimas e cantares, em queixas e aspirações, em suspiros e desesperos, em humilhações e heroismos, tudo. isso que fórma a essencia mesma da poesia lyrica. Pelo poder das suas evocações elles farão soffrer os tormentos e as miserias das creaturas, que só viveram no mundo da imaginação. Pelo calor da sua flamma, restituem á vida os perdidos personagens das idades mortas regelados nos sombrios hypogéos por alongados seculos de olvido. Pelo dom de suggestão tornam-nos solidarios com as suas dôres, fazendo que padeçamos, corações isóchronos, as desgraças e as fatalidades da Terra. Das fórmas de arte, porém, em que a poesia se divide: a Epopéa, o Drama e o Lyrismo, confundidas com os actos quotidianos, sendo delles a sua expressão ou a relação natural da vida publica, o Lyrismo é o principal vasadouro das lutas intimas e de todas as effusões, dos desalentos e de todas as perplexidades, das esperanças e das certezas todas, das duvidas e de todas as transmutações do espirito. A Epopéa e o Drama regem-se por um conjuncto de regras, usando-se ahi da linguagem consagrada, com raias delineadas, movendo-se num ambito balisado, restricto pelas exigencias formalisticas. Eis a razão por que se anemiaram, fenecendo no correr dos tempos; o motivo por que esmoreceram as tentativas para approximar a poesia das cogitações modernas, intervindo nas lutas politicas, sociaes, religiosas e até, meus senhores, scientificas! Não! A poesia não pode deixar a região encantada das lendas, das tradições, das crenças populares, da fantasia, liberta de canones, espraiada e solta, individualisada por toda a parte. Quando se retempéra nas tradições da nacionalidade, manifestar-se-á mais vigorosa, por isso que, é sabido, são os maiores genios os que mais profundamente representam uma civilisação por condensarem na sua obra todos os elementos staticos ou sejam a raça, a lingua, as tradições do seu paiz, combinados com os elementos dynamicos da sua personalidade artistica, dos seus dotes naturaes. A alliança desses elementos faz que achem a justa relação entre as noções geraes contidas naquelles factores e a expressão caracteristica e propriamente individual. Mas, que seria da Epopéa, do Drama se os não fecundasse o Lyrismo? Não é porventura logar commum a affirmativa de que em todos os poemas maximos da humanidade a parte emocional é sempre a mais bem acabada, a mais perfeita, a melhor trasmittida ás gerações emergentes? Qual de vós ignora que a formidanda senão a maior creação do grande epico dos Lusiadas, o episodio do Adamastor, se originou do amor e do ciume, essas duas aves de presa que se aninham juntas num mesmo coração? Recor. demos o raconto do monstro: "Fui dos filhos asperrimos da terra, Amores da alta esposa de Pelêo A vontade senti de tal maneira Que inda não sinto cousa que mais queira. Como fosse impossibil alcançal-a E a Doris este caso manifesto: De medo a deosa então por mi lhe falla; Comtudo, por livrarmos o Oceano De tanta guerra, eu buscarei maneira Com que com minha honra escude o damno: O peito de desejos, e esperanças. Já nescio, já da guerra desistindo, Oh! que não sei de nojo como conte! Estando c'um penedo fronte a fronte, Que eu pelo rosto angelico apertava, O' nympha a mais formosa do Oceano Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada ? Da magua e da deshonra alli passada A buscar outro mundo onde não visse, Quem de meu pranto e de meu mal se risse. Eram já neste tempo meus irmãos E, por mais segurar-se os deoses vãos, Alguns a varios montes sotopostos: E como contra o céo não valem mãos, Eu, que chorando andava meus desgostos Converte-se-me a carne em terra dura, Os deoses; e por mais dobradas maguas Cotejae agora essas estrophes com as descriptivas dos casos que Adamastor contou futuros" e vereis quanto differem os quilates, notando que a despeito de se seguirem umas ás outras, ha uma especie de solução de continuidade na emoção poetica e no modo de exprimil-a, á semelhança das camadas estractificadas postas a nú em um corte de terreno. Assim tambem no “Uruguay", de José Basilio da Gama, no episodio de Lindoya, como ainda em Santa Rita Durão, na morte de Moema, para falar somente nas epopéas que nos pertencem. (Cita e commenta). Idealista ou realista, objectivo ou subjectivo, alegre ou triste, o lyrismo é a verdadeira expressão da poesia, por isso que traduz melhor o sentimento da natureza e da vida. Aqui elle se veio acasalar e proliferar; aqui medrou com vigor, força e belleza, aquecido pelo sol dos tropicos, esplendendo num scenario magnifico, porquanto é indubitavel e decisiva a influencia do meio sobre a maneira de exteriorisar idéas, como no modo de sentir o mundo. Podereis acaso conceber uma |