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SOBRE AS OBRAS DO REAL MOSTEIRO

DE SANTA MARIA DA VICTORIA,
CHAMADO VULGARMENTE DA BATALHA

PREFAÇÃO

Havendo-se-nos offerecido opportunidade de examinar de espaço, e com toda a miudeza, a grande obra do convento da Batalha, e tendo-nos sido franqueados sem reserva, por attenciosa benevolencia do Prelado e religiosos da caza, os documentos do seu cartorio; foi-nos facil achar noticias até agora desconhecidas, e outras, que servem para rectificar alguns descuidos do elegante chronista Fr. Luiz de Souza, e dos mais escriptores, que fallárão da mesma obra.

Humas e outras colligimos nesta Memoria, que agora offerecemos á Academia, havendo, que fazemos algum serviço ao publico em lhe dar melhor a conhecer este insigne monumento, e que pelo menos mostrâmos à Academia o desejo, que temos, de a auxiliar (se nos fosse possivel) nos fins da sua instituição.

CAPITULO I

Da origem e principio da fundação do convento (Souza, Historia de S. Domingos, part. 1.a, liv. 6.o, cap. 12.o)

Bem sabido he, que foi o Senhor D. João I o que fundou esta magnifica e sumptuosa fabrica, obrigado da promessa que fizera á Santissima Virgem Mãi de Deos, no memoravel dia 14 de Agosto de 1385, estando para dar a famosa batalha de Aljubarrota, em que alcançou do exercito Castelhano a mais completa e assignalada victoria.

O grande animo, e generosa piedade deste augusto Principe não lhe permittio demorar o cumprimento do seu religioso voto; e postoque não sabemos ao certo, nem hoje parece possivel averiguar, o anno, mez e dia preciso, em que teve principio a obra do magestoso templo, sabemos comtudo, que já era começada, quando elRei esteve sobre a praça, e castello de Melgaço, segundo consta da verba do seu testamento, que Fr. Luiz de Souza traz copiada no lugar citado. E como está expedição militar foi emprehendida e executada nos primeiros mezes do anno de 1388, não será errada a conjectura, que fazemos, de que no anno de 1387, ou quando muito no de 1386, se deo principio à fabrica do edificio, gastando-se o tempo, que tinha decorrido desde a época da batalha, em escolher e comprar o terreno (1); em pre

(1) Foi o mosteiro edificado na Quintãa do Pinhal, que el-Rei comprára a Egas Coelho e Maria Fernandes de Meira, sua mãi, como consta da Carta de doação feita por el-Rei ao mosteiro, e dada em Coimbra a 14 de Janeiro de 1436, a qual vem copiada em Souza no cap. 21. do citado livro. Esta quintaa abrangia o terreno em que está o edificio, com parte da sua actual cerca, e alguns chãos em roda delle, aonde consta terem existido a caza do mestre, a caza das medidas, a caza da féria, a caza da carpintaria, da vidraria, da ferraria, os fornos de cal, telheiros, &c. Os quaes chãos,

parar os desenhos correspondentes ás vastas ideas do illustre fundador; em designar os mestres que havião de dirigir a obra; e em ajuntar as achegas necessarias para a sua execução.

Não tinha el-Rei applicado ainda a alguma das familias religiosas do reino o templo e caza, que mandava edificar; mas no mesmo tempo, em que esteve sobre Melgaço, acordou e lhe aprouve de ordenar encomendal-o e doal-o á Ordem de S. Domingos, a pedido do Doutor João das Regras, do seu conselho, e de Fr. Lourenço Lamprêa, seu confessor e religioso dominicano, que então o acompanhavão. A Carta, que el-Rei logo mandou lavrar desta doação, he datada da cidade do Porto, a 4 dias de Abril da era de 1426 (anno de Christo 1388), e vem copiada por Souza, com pequenissimas differenças do original, que se conserva no cartorio do mosteiro.

He bem de crer, que logo por parte da ordem se tomasse posse, como affirma o chronista; mas não parece igualmente certo o que ahi acrescenta, e depois repete no capitulo 36.o, que fora mandado assistir no lugar o P. Fr. João Martins, Mestre em Theologia, e pessoa de grande nome neste reino em virtudes e letras: por quanto deste Fr. João Martins achamos a primeira memoria em documento do anno de 1443, com o titulo de Bacharel em Theologia; logo depois em 1445 até 1447 com o titulo de Mestre em Theologia e Prior do mosteiro; em 1448 e 1457 com o cargo de Provincial; e finalmente em 1460

como ao principio fossem destinados para estes serviços, e se não julgassem comprehendidos na citada doação, forão depois novamente doados pelo Senhor D. Manoel por Carta de 10 de Dezembro do anno de 1499, com a condição que os religiosos se não aproveitarião delles, em quanto durassem as obras, e os chãos fossem para ellas necessarios. Quando a fabrica das obras diminuio, ou de todo acabou, forão-se dando estes chãos de aforamento a pessoas particulares, com a expressa clausula de levantarem cazas, que hoje constituem parte da povoação.

até 1469 com o emprego de provedor das obras, e ornamentos das capellas do mosteiro de Santa Maria da Victoria por el-Rei nosso senhor: e não parece verosimil, que vivendo elle até o referido anno de 1469, fosse já em 1388 não só frade professo, mas além disso de grande nome neste reino, e tão assignalado em letras e virtudes, que merecesse por esse motivo ser escolhido para assistir no novo mosteiro (2).

O certo he, que em alguns centenares de titulos do cartorio, que examinamos, e aonde se nomêão não só os Priores do convento, mas tambem muitos dos religiosos, que pelo decurso dos tempos nelle residírão, não encontrámos memoria alguma de religioso daquelle nome, antes dos annos acima referidos. Por onde entendemos, que o chronista ou foi enganado por informações pouco

(2) Não só o Mestre Fr. João Martins vivia em 1469, mas tambem consta que alguns annos antes, no de 1460, fôra pessoalmente a Evora requerer ao Senhor D. Affonso V lhe mandasse dar o traslado de huma Carta do illustre Infante D. Henrique, então fallecido, e de algumas verbas do seu testamento, que pertencião á ordenança das missas, que se havião de cantar na capella do dito senhor; o que tudo lhe foi dado em instrumento de 3 de Dezembro do dito anno de 1460, mostrando-se, por este facto, que o Mestre Fr. João Martins estava naquelle tempo com bastante vigor para emprehender huma jornada dilatada, em tal estação do anno, o que seria por certo difficil, se já então tivesse perto de noventa annos, como era necessario para ser religioso professo em 1388, e vir assistir, como tal, nas obras da Batalha ao principio da sua fundação. E já que tocamos neste documento, não perderemos a occasião de advertir que elle só por si seria bastante para resolver a duvida, que houve, sobre o anno preciso do fallecimento do Infante D. Henrique, de que tratou Soares da Silva, nas Memorias de el-Rei D. João I, liv. 1, cap. 75.o; por quanto a carta do Infante, copiada no documento, mostra ser elle ainda vivo a 30 de Setembro de 1460, e o mesmo instrumento o suppõe já fallecido a 3 de Dezembro do proprio anno. A Carta he datada deste modo: «Feita em a minha villa Villa do Infante, 30 dias de Setembro, anno de nosso Senhor J. C. de 1460».

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