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cuja causa o melhor amigo do poeta (D. Antonio de Noronha) morreu nos campos africanos, senhora tão gentil que em seu louvor concorreram trinta a quarenta fidalgos, incluindo o grande stoico (Sá de Miranda) no seu retiro minhoto. Dama da rainha foi Dona Francisca de Aragão, entre todas as formosas a que melhor sabia o seu officio de dama, contentando a severa soberana e inspirando apesar d'isso, não só o suave Jorge de Montemór e o cerimonioso Caminha, mas tambem o sentimental D. Manuel de Portugal, da casa de Vimioso, e o proprio Luiz de Camões, sem que por causa de tantas homenagens o filho de S. Francisco de Borja desdenhasse consorciar-se com ella. Dama da rainha, emfim, aquella D. Guiomar Henriques, cuja esquivez inflammou D. Simão da Silveira e não desagradou ao inclyto D. Diego de Mendoza.

<< Foi por tanto nas salas da rainha onde desabrocharam, para onde eram remettidos e onde os cortezãos saborea vam a maior parte dos intermezzos lyricos que constituem o livro de ouro da Litteratura portugueza: Motes chistosos, Voltas alegres, Glosas requintadas, Trovas satiricas, Cartas mui galantes, Sonetos cultos, Eglogas sentimentaes, Epithalamios solemnes, Epistolas judiciosas, Outavas narrativas, Elegias graves e affectuosas, Odes sublimes.

<< Foi lá que se deram esses incidentes fallados, essas anedoctas picantes, esses ditos graciosos que continuaram a sustentar no seculo XVI a antiga triple fama de-namorados, de galantes e de promptos e agudos nas

respostas, de que gosavam os portugue

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N'esta atmosphera estonteante, é que tambem foi Camões arrebatado por huns amores no paço da Rainha,» conforme se expressa a tradição que chegou ao conhecimento de Pedro de Mariz. D. Carolina Michaëlis formúla a conclusão: « A quem objectar que a côrte de D. João III e D. Catherina introductores fanaticos da Inquisição e da Companhia de Jesus - era antes que tudo eschola de santa doutrina, respondo que nem por isso deixou de ser o que fôra nos seculos anteriores: escola de fina galantaria, de onde saíam mestres e modelos na arte de amar; e selva de aventuras romanticas, onde se desenrolaram innumeros dramas de amor.» (p. 5.) Mais do que a dansa e o canto, prestava se a estes galanteios a poesia: « A prefe. rencia era dada naturalmente aos generos ligeiros da Eschola velha. Conservam-se versos talhados então em pedra, cortados em arvores, inscriptos em folhas de hera, e certa

1 D. Carolina Michaëlis, A Infanta D. Maria, p. 52.

8 Camões no Auto de Filodemo allude a este costume, quando falla dos que juram: «por quantos Sonetos estão escriptos pelos troncos das arvores do vale Luso... (Acto II, sc. 1.) E no Soneto 14, allude á mesma usança :

Cansado já de andar por a espessura,
No tronco de uma faia, por lembrança
Escreve estas palavras de tristeza:

Nunca ponha ninguem sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Sómente em ser mudavel tem firmeza.

mente na época estival, durante alegres merendas em Santos-o-Velho, e em Cintra. Versos lançados nos aposentos das damas, hoje de amor, ámanhã de escarneo. Versos sem canto para Livros de memorias, Cancioneiros ou Albuns. Inumeros Vilancetes em louvor de damas, homenagem em geral de um só galan, mas frequentemente collaborado por uma sociedade de cortezãos. Uma legião de Motes, escolhidos pelas damas, serviam para os seus servidores adivinharem e explicarem nas Quintilhas e Decimas ora engraçadas ora profundas, o entendimento ou seja a tenção, que ellas, as preponentes lhes ligavam.

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Um dia, alguma que a sorte havia em qualquer jogo de espirito designado pela inspiradora- digamos, D. Catherina de Athaide, proferiu o thema:

Olvidé y aborreci.

fitando o amado. E o Camões, fingindo de repentista, replicava:

Ha-se de entender assi:

Que des que os di mi cuidado,

A quantas huvo mirado

Olvidé y aborreci.

« Outra vez é D. Francisca de Aragão, que escreve a lapis n'um bilhetinho perfumado a regra: Mas porém a que cuidados (sem pon

1 Reconstruido sobre as Poesias ineditas de Caminha publicadas pelo Dr. Priesbch, que authenticam a verdade do quadro.

tuação elucidativa, bem se vê), resuscitando por esse meio o magno poeta, que ella por um amúo qualquer, havia enterrado no esquecimento durante alguns dias...' D'estas galanterias passadas em Cintra e Almerim com as damas, escreveu o commentador quasi contemporaneo de Camões, D. Marcos de San Lourenço: «Estas Nayadas eram as Damas do Paço, as quaes se iam recrear áquellas florestas com as Rainhas de Portugal, em quanto Deus quiz que elle gozasse d'estes mimos, dos quaes por que não soube usar veiu a carcer d'elles.» As relações com a côrte de França, onde era rainha a mãe da Infanta D. Maria, alentavam o velho costume da galantaria á lei de França. Em uma memoria franceza do principio do seculo XVI, á qual allude d'Hericault, na vida de Marot, lê-se: N'este tempo havia um costume, e era, que ficava mal aos mancebos de boas familias o não terem uma namorada, a qual não era escolhida por elles nem tampouco pela sua affeição, mas eram-lhes dadas por alguns parentes ou superiores, ou ellas tamben escolhiam aquelles por quem queriam ser servidas na corte.»

A vida intima da côrte franceza acha-se descripta em uma carta de Francisco de Moraes, o auctor do Palmeirim de Inglaterra, de 10 de Dezembro de 1541, quando estava em Paris como secretario da Embaixada de

1 A Intanta D. Maria, p. 55.

Ap. Juromenha, Obr. 1, p. 32.

8 Nas Oeuvres de Marot, p. xxxix. Ed. 1867.

D. Francisco de Noronha, 1.o conde de Linhares. Em contraste com esse quadro de desenvoltura dos jogos da péla, do aléo e outras momarias, falla da austeridade da rainha D. Leonor, mãe da Infanta D. Maria. N'esse meio hallucinante, o proprio Francisco de Moraes, já quinquagenario, achou-se possuido por uns amores tardios pela joven Torsi. Sob essa emoção passional foi-lhe a imaginação para as aventuras cavalheirescas e escreveu a novella do Palmeirim de Inglaterra. Regressando para Portugal em fins de 1543 com o embaixador que era Camareiro-mór da rainha D. Catherina, achamol-o logo tomando parte nos divertimentos palacianos, contribuindo com as suas Voltas e Redondilhas. No Cancioneiro manuscripto de Luiz Franco (fl. 102) vem uma quadra com a rubrica Vilancete de Francisco de Moraes, que apparece glosada por Camões com o titulo

MOTE ALHEIO

Triste vida se me ordena,
Pois quer vossa condição,
Que os males que daes por pena
Me fiquem por galardão.

As quatro deliciosas Decimas de Camões glosando esta quadra, representam uma paixão nascente, timida mas feliz no soffrimento. Vem na edição das Rimas de 1595 junto do Mote que no Manuscripto do Poeta é attribuido á Infanta D. Maria, a quem Francisco de Moraes dedicara o seu Palmeirim de Inglaterra, logo ao chegar de França, pela < obrigação em que estou a V. A. por filha

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