Á ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA 10 INSTITUTO HISTORICO, GEOGRAPHICO E ETHNOGRAPHICO DO BRAZIL Em testemunho da mais elevada consideração por seus serviços ás sciencias e ás letras Junho, 1886. 0. D. C. BRITO ARANHA. LUIZ DE CAMÕES Para que os colleccionadores das obras do nosso egregio poeta tivessem, em edição separada, os estudos que deixo no Diccionario bibliographico (tomo xiv), fiz, com auctorisação superior, uma tiragem limitada com rosto especial, d'essa parte da obra, de que estou. encarregado. É a que se comprehende no presente volume. É necessario modificar o artigo do Diccionario bibliographico (tomo v, de pag. 239 a 277), e deixar aqui os esclarecimentos, que tenho colligido durante alguns annos, e que foram successivamente ampliados, não só antes das grandes festas commemorativas do tri-centenario do nosso epico immortal, mas durante essa notavel e brilhantissima commemoração, e depois até o presente, periodos em que, com effeito, appareceram maior numero de colleccionadores e foram dados ao grande poeta as mais levantadas homenagens. Alem d'isso, desejo registar documentos e factos, que se ligam á biographia do poeta, que tem sido e continuará a ser, ao que me parece, assumpto para commentarios diversissimos, para hypotheses mais ou menos dignas de apreço, e para analyses, nem sempre guiadas por luz serena e clara. A vida de Luiz de Camões tem muitos passos escuros. O primeiro, que se nos offerece, é o da sua naturalidade. Nasceu em Alemquer, como alguns pretendiam pela analyse de um soneto? Em Santarem, porque julgam d'ahi oriunda sua mãe? Em Coimbra, onde viviam seu pae e parentes d'elle? Ou em Lisboa, onde o poeta permaneceu longos annos e aqui veiu a finar-se? Não é facil, apesar dos modernos estudos e investigações, encontrar a solução d'este ponto. Com relação à primeira hypothese, bom é destruir, pela base, toda a argumentação que ten apparecido; e para esse fim basta-me colligir a controversia mui sensata que se deu por occasião da inauguração do monumento a Camões, em Lisboa, entre o esclarecido poeta sr. Eduardo Augusto Vidal e o sr. D. Miguel de Sotto Maior; e cinco annos depois, entre o benemerito auctor d'este Dicc., e o reverendo padre Moura, de Setúbal. O sr. E. A. Vidal fôra, para a mencionada solemnidade, encarregado pela direcção do Archivo pittoresco de escrever uma Vida de Camões, e n'este semanario saiu com effeito inserto de sua penna uma serie de artigos, acerca do assumpto determinado, no volume x, de pag. 220 a 223, 239 e 240, 251 e 252, 269 e 270, 306 a 308 e 324 a 326. Tratando da naturalidade de Luiz de Camões o sr. Vidal escreveu: "Sem remontarmos ao tronco genealogico do nosso poeta, basta sabermos ter sido elle filho de Simão Vaz de Camões e de D. Anna de Sá Macedo, pessoa muito illustre da villa de Santarem. O anno de seu nascimento andou por largo tempo envolvido em duvidas, até que a final parece terem-se ellas removido com o assentamento que Manuel de Faria e Sousa descobriu no registo da casa da India de Lisboa. Ahi se diz que, em 1550, Luiz de Camões, escudeiro de vinte e cinco annos, se alistára para ir na nau de S. Pedro dos Burgalezes. O anno de 1525 é, portanto, o que fóra de duvida se deve marcar como sendo o do nascimento do poeta. Quanto á terra da sua naturalidade, ainda ao presente continuam as incertezas, eu, porém, com os editores da Bibliotheca portugueza, estou que o mais claro e irrefragavel documento sobre qual a terra que lhe deu o berço, e o que elle proprio nos deixou no soneto C: Creou-me Portugal na verde e chara « A declaração não soffre duvida. Creio que o poeta, embora na sua vida não tirasse nunca certidão de baptismo, havia de saber de sciencia certa a terra em que fôra nascido. N'isto fico mais por elle do que pelo biographo.»> No mesmo volume, pag. 341 e 342, o sr. D. Miguel de Sotto Maior, refutando a opinião do sr. E. A. Vidal, expressa-se d'este modo: « A declaração, com effeito, não soffreria a minima duvida, se n'este soneto Co poeta fallasse da sua propria pessoa. É exactamente, porém, isto o que não acontece. O soneto em questão não é mais do que uma especie de prosopopéa, em que Camões apresentou o soldado de Alemquer (provavelmente algum seu amigo e companheiro de armas), narrando a sua curta e desditosa vida. O soneto, na sua integra, claramente mostra que n'elle o poeta não fallava de si mesmo.»> Mais adiante escreve : « Se querem pedir ao poeta que lhes diga o logar do seu nascimento, elle lhes responderá na elegia 1, em que se compara ao Sulmonense Ovidio desterrado, Da sua patria os olhos apartando. «Os biographos de Camões são concordes em que esta elegia foi composta andando o poeta desterrado de Lisboa... «Se portanto o poeta, que, como Ovidio, se vê dos seus penates apartado, é para Lisboa que dirige todos os seus anceios, porque nos não será licito inferir d'ahi o ser Lisboa a sua terra natal?... « Acresce mais que nenhuma das outras terras que disputam a Lisboa esta gloria tem a seu favor tão bons fundamentos. O sabio bispo de Vizeu D. Francisco Alexandre Lobo, na sua bem trabalhada Memoria historica e critica acerca de Luiz de Camões, depois de expender os motivos em que se funda para suppor o poeta filho de Lisboa, acrescenta: «Nemn sei na verdade que haja melhor fundamento para dizer que Camões era natural de Santarem ou de Coimbra, do que uma conjectura assentada na noticia d'elle residir algum tempo em Coimbra, e ser ali mo. rador e sepultado seu bisavô: e de ser Anna de Sá é Macedo (sua mãe) de hon |