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mesmo espirito de audacia concebia o ideal, que não deixaria apagar na memoria humana estes feitos de que outros se apropriaram, ficando-nos o pregão eterno.

A descoberta da America tropical, a passagem á India pelo Cabo da Boa Esperança e a primeira viagem de circumducção do globo, tudo isto realisado de 1492 a 1522, em trinta annos, como observa Humboldt, deu of conhecimento pleno da terra: «A concepção humana tinha se tornado mais penetrante; o homem estava melhor preparado para receber dentro em si a infinita variedade dos phenomenos, a elaboral-os e a fazel-os servir pela comparação a uma contemplação da natureza mais geral e mais alta. O aspecto de um continente que apparecia nas vastas solidões do Oceano, isolado do resto da creação, a curiosidade impaciente dos primeiros viajantes e d'aquelles que colligiam as suas narrativas, suscitou desde logo as mais graves questões, que ainda hoje nos occupam. Elles se interrogaram sobre a unidade da raça humana, e as alterações que soffreu o typo commum e originario, sobre as migrações dos povos, e o parentesco das linguas mais dissimilhantes muitas vezes nos seus radicaes do que nas flexões e fórmas grammaticaes, sobre a migração das especies animaes e vegetaes, sobre a causa dos ventos alizios e as correntes pelagicas, sobre o decrescimento progressivo do calor, quer se suba a vertente das Cordilheiras ou se sonde as camadas de agua sobrepostas nas profundezas do Oceano; emfim sobre a acção reciproca dos vulcões reunidos em circuito e sua influencia em relação

aos tremores de terra e ás linhas de elevação de que está sulcada a terra. Em nenhuma outra epoca, desde a fundação das sociedades, o circulo das ideias, no que é concernente ao mundo exterior e ás relações do espaço, não tinha sido tão subitamente alargado e de uma maneira tão maravilhosa. Nunca se tinha tão vivamente sentido a necessidade de observar a natureza sob as latitudes differentes e em diversos gráos de altura acima do nivel do mar, nem de multiplicar os meios por auxilio dos quaes se póde forçar a revelar os seus segredos.» (Cosmos, II, 314.)

«Uma cousa que n'esta obra agitada, contribuiu tambem de uma maneira notavel para o progresso das vistas sobre o mundo, foi o contacto de uma multidão numerosa de europeus com uma natureza exotica, que expandia livremente as suas magnificencias nas planuras e nas regiões montanhosas da America. Apoz a expedição de Vasco da Gama, contemplou-se um egual espectaculo nas costas orientaes da Africa e na India meridional. Desde o começo do seculo XVI, um medico portuguez, Garcia d'Orta, tinha com o apoio do nobre Martim Affonso de Sousa, estabelecido n'esta região, sobre o local hoje occupado pela cidade de Bombaim, um Jardim botanico, no qual cultivava as plantas medicinaes das cercanias. A musa de Camões prestou-lhe o tributo de um elogio patriotico. O impulso estava dado: cada qual sentia o desejo de observar por si mesmo... Dois dos maiores homens do seculo XVI, Conrad Gesner e Andreas Cesalpinus abriram gloriosamente novo

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caminho em Zoologia e em Botanica.» (Id. ib., p. 334.) E' para nós glorioso o destaque dado por Alexandre de Humboldt a Garcia d'Orta, o espirito scientifico, e a Camões, a suprema idealisação poetica, no quadro imponente da Renascença. As suas palavras valem uma consagração. O odio contra a natureza, o tædium vitae, que tanto caracterisa o ascetismo da Edade média, é na Renascença supplantado pelo encanto da belleza do mundo exterior, pelo deslumbramento expresso em uma linguagem imaginaria e pittoresca. Esse phenomeno, que tanto influiu na contemplação poetica e no estudo da Natureza, foi produzido pelos Descobrimentos de novas regiões geographicas. Humboldt, tratando em uma parte do Cosmos sobre o Reflexo do mundo exterior na imaginação do homem, provou largamente esse facto: «No momento em que o mundo se achava subitamente engrandecido, tudo se conjugava para encher o espirito de magnificas imagens e de lhe dar uma mais alta consciencia das forças humanas. Na expedição de Alexandre, os Macedonios trouxeram dos sombrios valles do Industão e dos montes Paropamissos impressões que se encontram ainda vivas, muitos seculos depois, nas obras dos grandes escriptores. O descobrimento da America renovou o effeito produzido pela conquista macedonica; exerceu uma influencia maior do que as Cruzadas nos povos occidentaes. Pela primeira vez o mundo dos trópicos desvendava aos europeus a magnificencia das suas planuras fecundas, e todas as variedades da vida organica distribuidas pelas vertentes das Cordi

lheiras, com os aspectos do Norte que pare. cem reflectir-se sobre os planaltos do Mexico, da Nova Granada e do Quito. O prestigio da imaginação, sem a qual não póde existir obra humana verdadeiramente grande, dá um en. canto singular ás descripções de Colombo e de Vespucci. Descrevendo as costas do Brasil, Vespucci patentêa um conhecimento exacto dos poetas antigos e modernos.- Nas epocas heroicas da sua historia, os Portuguezes e os Castelhanos não foram exclusivamente levados pela avidez do ouro, como se suppoz, não comprehendendo o espirito d'estes tempos.— O desejo de visitar paizes longinquos era quanto bastava para arrebatar a mocidade da Peninsula hispanica, das Flandres, de Milão, do sul da Allemanha, para a cadeia dos Andes, para os plainos ardentes de Uraba e de Coro, sob o estandarte de Carlos v. Mais tarde, quando os costumes se adoçaram, e que todas as partes do mundo se patenteavam simultaneamente, esta curiosidade anciosa foi sustentada por outras causas e tomou uma direcção nova. Os espiritos inflammaram-se com um amor apaixonado pela Natureza, de que os Povos do Norte davam o exemplo. A contemplação elevava-se engrandecendo-se ao mesmo tempo o circulo da observação scientifica. A tendencia sentimental e poetica, que se encontrava no imo de todos os corações, tomou uma fórma mais definida no fim do seculo XV, e deu origem a obras litterarias desconhecidas dos tempos.>

Comprovando este asserto, que é uma caracteristica das litteraturas modernas, Humboldt analysa eloquentemente os Lusiadas

como o reflexo das impressões vivas da natureza na alma de Camões:

< Este caracter de verdade que nasce de uma observação immediata e pessoal brilha no mais alto gráo na grande Epopêa nacional dos Portuguezes. Sente-se fluctuar como que um perfume das flôres da India através d'este poema escripto sob o céo dos tropicos, na gruta de Macáo e nas ilhas das Molucas. Sem me detêr a discutir a opinião aventurosa de Frederico Schlegel, de que os Lusiadas de Camões sobrelevam acima do poema de Ariosto pelo esplendor e riqueza de imaginação, eu posso affirmar ao menos, como observador da natureza, que nas partes descriptivas dos Lusiadas nunca o enthuziasmo do poeta, o encanto dos versos e os doces accentos da sua melancholia em nada alteraram a verdade dos phenomenos. A arte, tornando as impressões mais vivas, antes augmentou a grandeza e a fidelidade das imagens, como acontece todas as vezes que se toca em uma fonte pura. Camões é inimitavel quando pinta a mudança perpetua que se opera entre o ár e o mar, as harmonias que existem entre a fórma das nuvens, suas transformações successivas e os diversos estados porque passa a superficie do Oceano. Primeiramente mostra esta superficie encrespada por uma leve bafagem de vento; as vagas apenas solevantadas fulgem, refractando o raio de luz que ahi se reflecte; depois uma outra vez, os baixeis de Coelho e de Paulo da Gama, assaltados pela terrivel tempestade, luctam contra os elementos desencadeados. Camões é, no sentido proprio da palavra, um grande pin

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