Sonetos.
A teus pés, fundador da monarchia, Vai ser a lusa gente desarmada : Hoje rende á traição a forte espada, Que jamais se rendeu á valentia.
Ó rei, se minha dor, minha agonia, Penetrar podem sepulchral morada, Arromba a campa, e com a mão myrrada Corre a vingar a affronta dêste dia.
Eu fiel, qual te foi Moniz, teu pagem, Fiel sempre serei: grata esperança Me sopra o fogo de immortal coragem;
E as lagrimas, que a dor aos olhos lança, Recebe, grande rei, por vassallagem, Acceita-as em protesto da vingança.
Duas horas antes de expirar.
Eis já dos mausoléus silencio horrendo Me impede o respirar, a voz me esfria; Eis chega a morte eterna; eis morre o dia, E ao nada a natureza vai descendo.
No, da anniquilação, passo tremendo, Escudo-me da să philosophia; Terror humilde o rosto não m'enfia, Como Catão morreu, eu vou morrendo.
Mâs ah! tu, d'alma nobre qualidade, Saudade cruel, co'o soffrimento Me arremessas a máres de anciedade.... Mulher... filhos... amigos... n'um momento, No momento do adeus p'r'a Eternidade, Vós sois o meu cuidado, e o meu tormento.
JOSÉ DA NATIVIDADE SALDANHA. *
A André Vidal de Negreiros, natural de Pernambuco, e seu restaurador em 1654.
Eu (mil graças ao céu !) s'em largos campos
Não aro, não semeio
Com malhados bezerros trigo loiro, Pedindo ao vate Argivo a lyra d'oiro, Semeio nas campinas da memória Canções credoras de perpétua glória.
As redeas toma do cantor do Ismeno, Musa canora e bella, Iguivomos Ethontes atropella, Guia a tua carroça luminosa
Ao bipartido cume: Os cantores do Pindo que emudeçam, Ao teu imperio os astros obedeçam.
Foi um pardo de grande talento: destinguiu-se em Coimbra, onde estudava. Era filho de Pernambuco e de principios ultra republicanos.
E mais ligeiro Do que o ribeiro, Que accelerado Discorre o prado, Serpenteando, Vai tu levando
O teu carro á azul esfera, Onde Febo só impera.
Fuja o profano vulgo, inepto e rude, Pâra ouvir os mysterios, Que o altiloquo vale patentêa, Quando alegre bebendo a clara vêa, Da encantadora, diva Cabalina, Troca a vida mortal pêla divina.
Oh monte! oh monte! ao vulgo inaccessivel, Onde florêa Apollo !
Quem, do Ethonte domando o bravo collo, No teu cume fuzila brando `canto?
Quem cinge a douta frente, Póde affoito dispor da humana sorte, Dar vida ao sabio, dar ao nescio morte?
Se o grande Homero De Achilles fero, Que Heitor procura, A paixão dura Não arpejára, Na lynfa amára Dêsse lago celebrado Jazeria sepultado,
Se torvos, sopesando invicta lança, Ó musa, não podemos No campo sanguinoso de Mavorte Espalhar de uma vez terror e morte, Podêmos, fulminando excelsos hymnos, Dos humanos mortaes fazer divinos.
Levemos dos heroes pernambucanos A rutilante glória
Ao templo sacrosanto da memória : Não deixemos em mudo esquecimento Tantos varões famosos,
Que da inveja a pesar em toda a idade Entregaram seu nome á eternidade.
Assim de Roma A glória assoma. Que do Latino Em som divino Relampeguêa De graça cheia, Quando fere a doce lyra, Por quem Orion suspira.
Porém, ó Musa bella, o carro volta Aos altos Guararapes,
Nelles procura o forte brazileiro, Tigre sedento, lobo carniceiro, Que, dardejando a espada em dura guerra, Faz tremer, ao seu nome, o mar e a terra.
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