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de Camões, livro de muita erudição, doutrina e philosophia...» A tenção de publicar o poema, que continuava a aperfeiçoar em Moçambique, é que lhe suscitara a fervorosa vontade de regressar a Portugal, máo grado a sua extrema pobreza.

A Não em que D. Antão de Noronha partira de Gôa para Portugal em 2 de Fevereiro de 1569, soffreu grande temporal, sendo forçada a arribar e invernar em Moçambique ; apenas pôde passar a Náo Santa Catherina. Entre os cavalleiros da matalotagem, que accudiram a Camões, figuram (segundo Mariz e Severim) Heitor da Silveira, Antonio Cabral, Luiz da Veiga, Duarte de Abreu e Antonio Ferrão. Diogo do Couto memora Heitor da Silveira, D. João Pereira, D. Pedro da Guerra, Ayres de Sousa de Santarem, Manoel de Mello, Gaspar de Brito, Fernão Gomes da Gram e Lourenço Vaz Pegado. Estes contribuiram, cotisando-se entre si para pagarem os duzentos cruzados a Pedro Barreto, e o trouxeram na sua matalotagem. Acha-se este costume portuguez descripto pelo viajante Pyrard: Quando o Vice Rei recolhe a Portugal, escolhe os navios que quer, e os faz provêr de mantimentos, a que chamam matalotagem, para elle e sua comitiva; e ha tempo para isso. E quando os portuguezes sabem que algum Vice Rei, arcebispo ou grande senhor e capitão se vem embora, cuidam em se metter no seu rol e obterem licença para irem com elle; por que n'este como todos quantos vão no navio, tirada a gente do mar e officiaes do mesmo navio que levam e têm a sua matalotagem á parte, são

sustentados de graça ou sejam fidalgos ou soldados.» Em outro logar do seu livro, Pyrard fallando do regresso do Arcebispo de Gôa a Portugal, escreve: «Comtudo, elle havia obtido licença para se ir embora, e ha. via feito todos os apercebimentos de mantimentos e matalotagem para mais de cem pessoas, afóra os seus domesticos, que mon. tavam bem a outro tanto numero, e são necessarios ao menos trezentos pardáos para mantença de um homem da India a Portugal.» Por esta explicação se infere que, vindo Camões na mesma matalotagem de Diogo do Couto, como diz o chronista, o seu regresso foi na náo Santa Clara. Era preciso aprovei. tar este costume por que a viagem era muito cara diz Diogo do Couto: «por darem de comer a um homem com um môço, em o canto do camarote, lhe levam muitos centos de pardãos.» (Sold. prat., p. 86 2.a) Era diante d'esta difficuldade que se vira Camões em Moçambique, sem recursos para libertar-se. A partida para o reino effectuou-se em Novembro de 1569, em que largou a Armada de Moçambique. Descreve esta partida Diogo do Couto, na Decada vin, c. 28; «As náos, como foi tempo, que era em novembro, fizeram-se todas juntas á vela para o reino... e sahindo as nãos de Moçambique todas juntas, encostou-se a Chagas, que era a capitania, á ilha de S. Jorge, e ficou quasi em secco, a que accudiram as outras com seus bateis; só a Não Santa Clara, de que era capitão Gaspar Pereira, em que eu ia embarcado, que foi a primeira que saíu, ia tão adiantada, que com as correntes não podia tornar e fômos nosso caminho.

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A náo Chagas alijou muito ao mar, e encheu a maré, com o que se saiu trabalhosamente, e na detença de só este dia chegámos á ilha de Santa Helena, tanto, que primeiro, estivemos vinte dias sem nenhuma das outras chegar, pelo que demos á vela, e chegamos a Cascaes em Abril e ahi surgimos, por estar a cidade de peste;...» (cap. 28.) e as mais náos chegaram em fins de maio, ou já em Junho, por onde se verá que em uma jornada de seis mil leguas como esta, um dia mais ou menos, leva tanta vantagem, como se viu n'estas náos por mais de mez e meio. » Vinha Camões na Náo Santa Clara, de que era capitão Gaspar Pereira (no Indice da Fazenda; Manoel Jacques no anno rior, acompanhando a Armada que levara a Gôa o novo vice-rei D. Luiz de Athayde.) Durante a viagem morreu no mar de doença D. Antão de Noronha, tendo ordenado que seu corpo fosse arrojado ao mar, e que lhe cortassem o braço direito pelo sangradouro, para ser sepultado na sé de Ceuta, no tumulo de seu tio D. Nuno Alvares de Noronha. Em fins de Março de 1570 chegava a náo Santa Clara aos Açores, onde contava ser esperada pela Armada, que alli acompanhava para Lisboa as náos da India.

no anno ante

Em uma carta de 26 de Junho de 1882, escrevera o Dr. Ernesto do Canto ao erudito investigador açoriano Dr. João Teixeira Soares: «Fazendo um estudo a respeito da volta de Camões para Portugal em 1570 na náo Santa Clara, antevêjo a probabilidade d'elle ter tocado em alguma das ilhas dos Açores, principalmente na Terceira.» Teixeira Soares

começa por observar a favor da inferencia : <que era então geral a vinda das nãos da India pelos Açores. Duas eram as principaes causas d'esta passagem por aqui: a primeira, aproveitar o favor dos ventos e correntes pelagicas; a segunda, a protecção contra a pirataria, que ao chegar aos Açôres encontravam na Armada que todos os annos para esse fim vinha a estas ilhas.» E para este fim cita o proprio Couto, que falla da Armada que estava já em Cascaes prestes a largar para os Açôres, sob o commando de D. Francisco de Menezes, irmão do desventurado D. Tello de Menezes, o amigo de Camões; tambem a observação do mesmo chronista, quando compara a ilha de Angarica, na costa oriental da Africa, com outra do archipelago açoriano: «é tão alta quasi como a ilha do Pico.» A unica vez que poderia Diogo do Couto ter esta impressão directa só podia ser no seu regresso a Portugal em fins de Março de 1570, passando a náo Santa Clara pelos Açôres. Mas em Camões reflecte-se sempre a impressão da realidade na sua idealisação poetica; Alexandre de Humboldt, que tanto admirava Camões como pintor da Natureza, notou no Cosmos, que a vegetação com que era representada a Ilha dos Amores, nos Lusiadas, era europêa e não oriental. Diogo do Couto refere que a Náo Santa Clara esperara o resto da Armada vinte dias na ilha de Santa Helena; e Manoel Corrêa, no commento da Ilha dos Amores diz: «Muitos têm para si que esta Ilha seja a de Santa Helena; mas enganaram-se, porque foi um fingimento que o Poeta aqui fez como claramente consta da letra.» (Comm., fl. 250.)

Reconhecendo a verdade da observação de Humboldt, quiz um critico fixar essa realidade na ilha de Zanzibar, por existirem ahi cinco das quatorze arvores indicadas por Camões. Apoiados nos dados topographicos, dois eruditos terceirenses, o P.e Jeronymo Emiliano de Andrade e o Dr. Moniz Barreto Côrte Real, consideraram a Ilha Terceira como sendo a realidade da Ilha dos Amores, pela coincidencia dos seus traços descriptivos; explicam a referencia ao porto de Angra:

Onde a costa fazia uma enseada
Curva e quieta....

E referindo-se aos tres cumes, tão caracteristicos do Monte Brazil:

1res fermosos outeiros se mostravam
Erguidos com soberba graciosa,

Que de gramineo esmalte se adornavam
Na formosa ilha alegre e deleitosa.

Tambem em relação aos fructos, é bem conhecida nos Açores a lima doce, que ahi tem o nome de lima da Persia, á qual allude Camões:

O pômo que da patria Persia veiu,

Melhor tornado no terreno alheio.

Corrobora a interpretação dos dois açorianos illustres a observação de Humboldt, tornando facto historico a passagem de Camões

1 Gomes Monteiro, Carta sobre a situação da Ilha de Venus. Porto, 1849. Inadmissivel, por que nem á ida para a India nem no regresso tocaram as náos em Zanzibar.

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